Folha de S. Paulo


Análise: A morte de Hugo Chávez, o Brasil e os EUA

Partindo de um pressuposto de que com a morte de Hugo Chávez haverá um momento de reflexão nas agendas de política doméstica e de política externa da Venezuela, quais seriam os cenários possíveis para uma melhor compreensão da posição deste país nas relações internacionais a partir de agora?

Dois cenários se desenham.

O primeiro seria que com o afastamento do presidente Chávez um grupo muito ligado a ele, originado a partir das estruturas burocráticas que já atuavam em seu governo, assumiria o poder, garantindo a execução do projeto bolivariano original com a assunção ao cargo do substituto de Chávez, que no caso deve ser o vice-presidente da República, sr. Nicolás Maduro.

Os prazos e os processos para a organização e realização de novas eleições ficariam a cargo do sistema vigente, sustentado pelos três poderes republicanos fortemente controlados pelo grupo político de Chávez.

O segundo cenário seria mais complicado. A oposição vai às ruas para exigir a urgência urgentíssima de novas eleições, ação que pode não ter o respaldo parlamentar necessário, mas que mostraria para a sociedade civil venezuelana como a força do governo de Hugo Chávez estava somente concentrada na figura do presidente agora morto.

O primeiro cenário é mais conservador e até mesmo minimamente interessante para a conjuntura presente da América do Sul, momento este de estabilidade geoestratégica entre os países que formam a região. E, em se tratando de mensurar ganhos e custos da alta política para uma determinada região como a América do Sul, o mínimo pode ser máximo.

O segundo cenário é de perfil mais alternativo e encerra duas questões.

A primeira diz respeito à verdadeira intenção da oposição venezuelana exigindo eleições para a escolha de um novo presidente, sendo que talvez isto sirva apenas para marcar posição durante este processo de mudança com o afastamento de Chávez.

E este já seria um desdobramento positivo para aqueles que criticam a era Chávez, dentro e fora da Venezuela. O provável candidato chavista e favorito nas novas eleições, Nicolás Maduro, assumiria o poder já com um alto nível de desgaste, como se definitivamente esta não fosse a melhor saída para a situação política do país no médio prazo.

A segunda questão que não quer calar é qual seria o posicionamento dos países do Hemisfério Ocidental com relação ao imbróglio venezuelano, principalmente a posição do governo americano e brasileiro.

Um apoio de Obama pela manutenção do processo político-constitucional venezuelano, com a substituição de Hugo Chávez pelo seu vice-presidente e os EUA preferindo se posicionar com pouca ou quase nenhuma responsabilidade nos rumos político-partidários da Venezuela, apontaria para uma leve mudança na agenda americana com relação à América Latina. Incluindo Cuba.

Os EUA estariam, então, com um olhar mais complacente com relação a países com um histórico mais parecido com o da Venezuela, marcados por administrações mais carismáticas, como no caso de Bolívia, Equador e Argentina. A motivação para esta postura estaria muito centrada no fato da Venezuela ser uma fonte estratégica de petróleo para EUA.

Todavia, esta reação de Obama faria com que os setores mais conservadores da sociedade e do sistema político americano se posicionassem contrariamente, se aproveitando para instigar novas críticas ao presidente democrata.

Também se pode fazer uma ilação que neste panorama o Brasil se aproximaria mais dos EUA como um País líder da região, reforçando o seu papel como garantidor de uma ordem mínima na América do Sul, principalmente se a situação institucional na Venezuela tender para o conflito entre grupos políticos rivais.

Parece que a era pós-Chávez serve minimamente ao Brasil na perspectiva diplomática, permitindo com que com o país ganhe algo no xadrez geopolítico continental e pode se transformar num complicador para o segundo mandato do presidente dos Estados Unidos.

'JOSÉ NIEMEYER é professor e coordenador dos programas de Graduação e Pós-Graduação do Ibmec/RJ


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