Folha de S. Paulo


Pentágono estava envolvido em centros de tortura no Iraque, diz jornal

O Pentágono enviou um veterano das intervenções americanas nas guerras civis da América Central na década de 1980 para supervisionar comandos policiais que instalaram centros secretos de detenção e tortura para conseguir informações de insurgentes no Iraque, segundo reportagem do "Guardian".

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Segundo o jornal, essas unidades conduziram alguns dos piores atos de tortura durante a ocupação dos Estados Unidos e aceleraram a entrada do país em uma guerra civil.

O coronel James Steele era um veterano das forças especiais aposentado quando foi indicado por Donald Rumsfeld, então secretário da Defesa de George W. Bush, para ajudar a organizar as forças paramilitares em uma tentativa de frear insurgentes sunitas, segundo revelou uma investigação do "Guardian" com a "BBC Arabic".

Depois que o Pentágono deixou de proibir que membros das milícias se juntassem às forças de segurança, o Comando Especial da Polícia (SPC, na sigla em inglês) recrutou cada vez mais membros de grupos violentos.

Jim Watson - 3.set.2007/AFP
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush (dir.), e o general David Petraeus, na base aérea Al-Asad, no Iraque
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush (dir.), e o general David Petraeus, na base aérea Al-Asad, no Iraque

Um segundo conselheiro especial, o também aposentado coronel James H. Coffman, trabalhou juntamente com Steele em centros de detenção que foram instalados com fundos americanos.

Coffman se reportava diretamente para o general David Petraeus, enviado ao Iraque em junho de 2004 para organizar e treinar as novas forças de segurança no país. Steele, que ficou no Iraque de 2003 a 2005 e voltou ao país em 2006, respondia diretamente a Rumsfeld.

As alegações, feitas por testemunhas americanas e iraquianas ao documentário da "BBC" com o "Guardian", implicam pela primeira vez conselheiros americanos em abusos aos direitos humanos cometidos por esses comandos.

Também é a primeira vez que Petraeus - que no ano passado foi forçado a pedir demissão do cargo de diretor da CIA depois de um escândalo sexual - foi ligado através de um conselheiro aos abusos cometidos no país árabe.

Coffman descreveu a si mesmo em uma entrevista ao jornal militar americano "Stars and Stripes" como "os olhos e ouvidos em terra" de Petraeus no Iraque.

"Eles trabalhavam lado a lado", disse o general Muntadher al-Samari, que trabalhou com Steele e Coffman durante um ano enquanto os comandos eram instalados.

"Eles sabiam de tudo o que acontecia lá...a tortura, as mais horríveis formas de tortura", disse.

"Todos os centros de detenção tinha seu próprio comitê de interrogatórios", afirmou Samati, falando pela primeira vez em detalhes sobre o papel dos EUA nas unidades de interrogatório.

"Cada uma delas era constituída por um funcionário da inteligência e oito interrogadores. O comitê usaria todas as formas de tortura para fazer um detento confessar, como usar eletricidade ou o pendurar de cabeça para baixo, arrancar suas unhas ou bater em suas partes mais sensíveis".

Não há evidências de que Steele ou Coffman torturaram pessoalmente os prisioneiros, apenas de que eles às vezes estavam presentes nos centros de detenção quando a tortura ocorria e estavam envolvidos no processamento de milhares de presos.

A investigação começou com a divulgação de milhares de arquivos militares no WikiLeaks, que detalhavam centenas de incidentes nos quais soldados americanos tiveram contato com presos torturados em uma rede de centros de detenção geridos por comandos policiais em todo o Iraque.

O soldado Bradley Manning, 25, pode ser sentenciado a até 20 anos de prisão depois de se declarar culpado de vazar documentos.

Samari afirma que a tortura era rotineira nos centros de detenção controlados pelo SPC.

"Eu me lembro de um garoto de 14 anos que estava amarrado a uma das colunas da biblioteca. E ele estava amarrado com as pernas acima da cabeça. Amarrado. Todo o seu corpo estava azul por causa do impacto dos cabos com os quais bateram nele."

AMÉRICA CENTRAL

O padrão identificado no Iraque tem estranho paralelo com bem documentados abusos cometidos por esquadrões paramilitares fomentados e orientados pelos EUA nos anos 1980.

Steele era o chefe de um time conselheiros militares especiais que treinaram unidades de forças de segurança em El Salvador contra os insurgentes.

Petraeus visitou El Salvador em 1986 enquanto Steele estava lá e advogou fortemente em favor de métodos contra a insurgência.

Steele não respondeu a nenhuma pergunta sobre seu papel em El Salvador ou no Iraque. No passado, ele negou qualquer envolvimento em tortura e disse publicamente ser "contra abusos aos direitos humanos". Coffman também não quis fazer nenhum comentário.

Um porta-voz falando por Petraeus disse que durante o tempo que ele passou no Iraque, ele soube das alegações de que forças iraquianas estariam torturando os presos e que todas as vezes informou seus superiores na hierarquia militar americana, o embaixador americano em Bagdá e líderes iraquianos relevantes.

Os centros de detenção tinham câmeras de vídeo, providas pelos militares americanos, que eram utilizadas para filmar os detentos. Depois, as imagens era divulgadas pela televisão em um programa chamado "Terrorismo Nas Mãos Da Justiça".

Segundo Samari, o tradutor especial de Petraeus, Sadi Othman, ligou para a chefia do SPC pedindo que as imagens dos presos torturados não fossem mostradas. Pouco depois, o Ministério do Interior iraquiano fez o mesmo pedido.

Othman confirmou a informação, acrescentando que o general não concorda com a tortura, e que implicar qualquer coisa nesse sentido é uma grande bobagem.

O impacto de longo prazo do financiar e armar essa força paramilitar foi libertar uma milícia sectária que aterrorizou a comunidade sunita e ajudou a germinar uma guerra civil que matou dezenas de milhares de pessoas.


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