Folha de S. Paulo


Análise: "Vatileaks" causam embaraço ao papa, mas trazem só intrigas pequenas

Não se sabe exatamente que segredos estão guardados no relatório de 300 páginas sobre o caso "Vatileaks", escrito por três cardeais que não participam do conclave. O jornal "La Reppublica" cita um "lobby gay" em atividade no Vaticano. O porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, nega com veemência.

O pior é que, por decisão de Bento 16, só o próximo papa poderá ler o documento. De modo que o conclave se faz, por assim dizer, no escuro.

Os três cardeais (Herranz, Tomko e De Giorgi, todos com mais de 80 anos) estão autorizados a conversar sobre o assunto com os eleitores do novo papa. Mas não há garantia de que boatos e insinuações não turvem a escolha. Nenhuma novidade nisso, aliás.

O que são os "Vatileaks", afinal? Trata-se de uma série de documentos endereçados diretamente a Bento 16, ou a seu secretário particular Georg Gänswein, que foram parar nas mãos do jornalista Gianluigi Nuzzi, graças à indiscrição do mordomo do papa --é sempre o mordomo--, Paolo Gabriele.

Gianluigi Nuzzi publicou esses documentos, com comentários, no livro "Sua Santidade: As Cartas Secretas de Bento 16" (ed. Leya).

RIVALIDADES

Apesar dos esforços do jornalista em valorizar o seu material, não há nada de especialmente aterrador nos "Vatileaks". Na maior parte das vezes, temos sinais de um previsível jogo de rivalidades entre assessores do papa.

Primeiro caso: Dino Boffo, diretor do jornal "Avvenire", órgão da Conferência Episcopal Italiana (a CNBB deles), fazia críticas aos escândalos sexuais do governo Berlusconi. Deu-se mal com isso: um órgão governista, "Il Giornale", passou a fazer campanha contra Boffo, acusando-o de ser gay.

De onde vieram essas denúncias? Segundo Boffo, originaram-se do "professore" Gian Maria Vian, diretor do órgão oficial da Santa Sé, o "L'Osservatore Romano". As suspeitas pela autoria da trama vão além, apontando o "segundo homem" na estrutura do Vaticano.

A saber, o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado e camerlengo do Vaticano. Boffo apela ao papa --e suas cartas aparecem então no "Vatileaks".

Segundo caso: relações com fornecedores do Vaticano. Compras de alimentos, contratos com empresas de restauração, superfaturamento --imagine!-- na compra de um presépio.

O papa nomeou o monsenhor Carlo Viganò para pôr ordem nas contas. Viganò começa a ser vítima de ataques, é demitido por Bertone, escreve ao papa, a história vai para o livro.

Outro caso: Bertone, sempre Bertone, demite o presidente de um instituto que é, diz o livro, "o pulmão financeiro" dos hospitais e da universidade de Milão. O demitido, cardeal Tettamanzi, figura fortíssima no Vaticano, apela diretamente ao papa.

Há outros eventos curiosos, como o fato de duas dioceses alemãs terem o controle acionário de uma grande editora, a Weltbild, que publica títulos como "Me Chama de Puta" e "O Conde Pornô".

Feitas as contas, os "Vatileaks" podem ter decepcionado o papa pelo vazamento em si, pela quebra de confiança no mordomo. Depõem contra a figura de Bertone.

Mas, do que é público, não há mais do que intrigas bastante pequenas; a Igreja Católica conhece crises bem piores ao longo de sua história.


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