Folha de S. Paulo


Impasse eleitoral na Itália leva nervosismo ao mercado

O "voto choque", como a manchete de ontem do "Corriere della Sera" definiu a eleição italiana, eletrocutou os mercados financeiros: as Bolsas caíram na Europa, a da Itália mais que todas (4,89%), e subiu o custo de rolar a dívida italiana.

Deu até para medir, em números concretos, o prejuízo para os cofres públicos italianos decorrente da ingovernabilidade desenhada pelas urnas: se os juros se mantiverem nos 4,8% que alcançaram ontem, a Itália gastará, no primeiro ano, € 1,5 bilhão a mais e, no triênio, € 8 bilhões adicionais.

É a consequência da subida do risco-país --a diferença entre o que paga a Itália, a terceira maior economia da zona do euro, e o país tido como mais seguro na Europa, a Alemanha-- para 345 pontos-base, bem acima dos 255, que era o patamar razoavelmente confortável em que se instalara nos últimos meses.

A alta repõe no cenário a hipótese de a Itália ser obrigada a pedir socorro a seus sócios europeus ou, na ausência dele, dar o calote. Coloca igualmente no horizonte a volta da crise financeira europeia. Pior: não há a mais leve indicação de quem e como formará o novo governo.

Alessandro di Meo/Efe
O líder do PD, Pier Luigi Bersani, em entrevista em Roma
O líder do PD, Pier Luigi Bersani, em entrevista em Roma

Pier Luigi Bersani, apesar de liderar a coligação mais votada, admitiu: "É claro que quem não consegue garantir a governabilidade não pode dizer que venceu. Não vencemos mesmo que tenhamos chegado em primeiro lugar".

Tradução para esse tremendo paradoxo: o PD (Partido Democrático, centro-esquerda) e os partidos a ele coligados tiveram mais votos para a Câmara dos Deputados, com o que levaram o prêmio de maioria e ficarão com 340 das 630 cadeiras.

No Senado, a legenda centro-esquerdista também foi a mais votada, mas o prêmio de maioria é atribuído regionalmente --graças ao que a coligação de centro-direita liderada por Silvio Berlusconi terá 116 senadores, ante 113 do PD, de acordo com o Ministério do Interior.

E ainda pesa a espetacular votação do M5S (Movimento 5 Estrelas), que, criado há apenas quatro anos, foi o partido mais votado para a Câmara, concorrendo sem nenhuma coligação, ao contrário dos demais.

Beppe Grillo, seu líder, definiu os políticos convencionais como "gatos mortos" -- sinal claro de que não está disposto a coligar-se com quem quer que seja para permitir a formação de um governo minimamente estável.

ANZOL PARA GRILLO

Em todo o caso, Bersani lançou um anzol, para ver se pesca Grillo: disse que, como é tradição no mundo todo, a presidência da Câmara deve ser do partido majoritário, no caso o M5S.
Grillo não mordeu. Limitou-se a dizer que seu grupo examinará "caso a caso" as reformas a serem apresentadas pelo PD.

O centro-esquerdista rejeita a hipótese de coligação com Berlusconi, definida por ele como "balé de diplomacia política" --que, completou Bersani, os italianos "não toleram".

O que resta, então? Um governo de minoria que o PD, como líder da coligação mais votada, assume a responsabilidade de propor ao presidente Giorgio Napolitano.

Um governo com a missão de propor a reforma da legislação eleitoral, responsável pelo "voto choque", uma limpeza nas instâncias políticas e uma legislação sobre "conflito de interesses" (o objetivo é atingir Berlusconi, cujos negócios privados se mesclam à gestão pública).

Além disso, deverá propor medidas de alívio para a crise social que sufoca um país que viveu em 2012 "o pior ano do pós-guerra", segundo a Confederação do Comércio (e a Segunda Guerra terminou faz 68 anos).

Depois disso, a Itália voltaria a votar.

Tudo somado, fica evidente que a manchete do "Corriere" não foi sensacionalista.


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