Folha de S. Paulo


Blogueira diz que quer abrir jornal em Cuba

Yoani Sánchez promete investir o dinheiro de prêmios dedicados a defensores da liberdade de expressão e direitos humanos que ganhou nos últimos anos, ao menos R$ 317 mil, em um projeto: fundar um jornal em Cuba.

"Um dos objetivos dessa viagem é recuperar parte desses prêmios com a intenção de levá-los a Cuba. Não sei como ainda, porque vai ser difícil entrar com ele. Quero utilizar isso como base principal para fundar meu jornal. Tenho a intenção de que esse seja o capital inicial", disse ela a jornalistas ontem, após dois dias de visita à Bahia.

A ideia com o jornal, diz, é "testar os limites" da abertura e das reformas, a maior parte econômicas, do governo Raúl Castro.

Na ilha, a maioria dos jornais, revistas e TVs é estatal, ainda que o governo tolere pequenas publicações independentes e acadêmicas.

Na era Raúl, publicações ligadas à Igreja Católica, como a revista "Espacio Laical" e "Palabra Nueva", se tornaram os principais veículos de debate sobre as reformas com intelectuais de fora e e dentro de Cuba.

No último mês, o canal multiestatal Telesur, de influência majoritariamente venezuelana, passou a transmitir ao vivo por 14 horas no país, a primeira emissora sem controle estatal cubano absoluto a fazê-lo em décadas.

Desde que lançou o blog "Generación Y" em 2007, Yoani Sánchez ganhou várias comendas --entre elas o prêmio Ortega y Gasset do jornal espanhol "El País" (R$ 39,2 mil), prêmio do governo dinamarquês Príncipe Claus (R$ 110 mil), prêmio holandês Cepos (R$ 65 mil), prêmio Jaime Brunet da Universidade de Navarra (R$ 94,2 mil).

Também ganhou menção honrosa no Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia em Nova York (sem remuneração). Segundo a blogueira, até agora ela não conseguiu receber a maior parte do dinheiro com que foi premiada pelo seu trabalho. Para a turnê por 11 países que começou pelo Brasil, ela diz ter trazido só o equivalente a R$ 400.

Além de esperar receber dinheiro pela venda de seus livros e pelas colaborações jornalísticas para o jornal espanhol "El País", sua viagem está sendo custeada pelos anfitriões -na Bahia, um grupo de jornalistas, médicos e empresários de Feira de Santana; em São Paulo, a editora de seu livro "De Cuba, com Carinho" (Contexto, 2009).

Sánchez diz que parte do que ganhou chegou a Havana por meio de amigos e que o método pode ser usado para levar o restante à ilha, já que teme que a soma possa ser "confiscada" utilizando algum "subterfúgio" por autoridades quando ela retornar a Cuba.

TEXTOS

O dinheiro obtido com os prêmios e seu trabalho como correspondente do"El País" --ela diz receber por texto enviado, e não mensalmente-- são um dos temas preferidos dos textos e "dossiês" que jornalistas, intelectuais e nomes ligados ao governo cubano circulam na internet.

É praticamente o mesmo conteúdo que aparece nos panfletos distribuídos por manifestantes distribuíram nos últimos dias em Feira de Santana para acusar a blogueira de "mercenária", "agente da CIA" e "ligada às grandes corporações de mídia".

Os textos questionam ainda o "padrão de vida" da blogueira com os dividendos. O "dossiê" presente no blog de Yohandry Fontana, ligado ao governo cubano, mostra fotos da ativista na praia e de festas "milionárias" --uma mesa com comes e bebes é "denunciada" por conter três tipos de cerveja.

Questionada sobre o tema, Sánchez diz que os argumentos formam parte do "tabu do dinheiro" alimentado pelo governo e do que ela crê ser o falso ascetismo dos comunistas da ilha, que promovem "invalidez material e financeira" de cidadãos para drenar suas autonomias.

"O sistema cubano está pensado para deixar o indivíduo material e financeiramente inválido. Então, com essa invalidez, nunca conseguem levar a cabo nenhum projeto pessoal, político, jornalístico ou de qualquer tipo. Não vou me sentir culpada por uma autonomia, além do mais muito limpa", afirma.

Com a remuneração de jornalista e colunista --incluindo os textos para o jornal "O Estado de S. Paulo"--, Sánchez diz pagar também oficinas para blogueiros e tuiteiros iniciantes em Cuba e parte dos custos da revista mensal "Vozes", sem financiamento de "governos nem nenhum partido".

"Além do mais, invisto na minha vida pessoal. Não promovo um ascetismo que, sim, promove o discurso oficial, que se apresenta como asceta, apesar de [dos governistas] viverem uma vida de luxos."

"Gostaria de encontrar Raúl Castro e perguntar quanto leva no bolso. Nada, nenhum centavo. Por quê? Porque não precisa. Tem um país inteiro", devolve ela, que acusa, também sem provas, os familiares dos irmãos Castro de terem milhões em contas bancárias secretas no exterior.

Ela nega ter encontros frequentes com diplomatas americanos --também apontado por manifestantes e panfletos como prova de que é "agente da CIA". Um dos pontos levantados no material é um despacho vazado pelo WikiLeaks que conta a visita da diplomata Bisa Williams, então subsecretária para a América Latina do Departamento de Estado, a casa de Sánchez em Havana.

No relato, a diplomata diz que a blogueira reclamou do embargo americano à ilha, que impede o uso de pagamento pela internet (paypal) e compras com cartão de crédito.

No blog ligado ao governo cubano, o mesmo despacho aparece com o título "Despacho de WikiLeaks onde Yoani Sánchez pede a Bisa Williams acesso a fontes de financiamento para continuar com sua agressão a Cuba".

TWITTER

Sánchez deixou a Bahia comemorando ter ganhado mais 24 mil seguidores para sua conta no Twitter desde que chegou ao Brasil --sua primeira viagem ao exterior em nove anos. Seus 393 mil seguidores passaram a 414 mil de segunda até ontem.

Sua popularidade no Twitter é também um dos pontos questionados em "dossiês" e panfletos, que a acusam de forjar parte dos seguidores e contar com ajuda de máquinas no exterior para manejar sua conta.

Ela disse ontem desafiar seus acusadores a debater, com evidências tecnológicas, as acusações. "Eu sou especialista neste tema." Sánchez diz que as 85 mil pessoas que segue no Twitter -uma das supostas "provas" da inflação de seguidores- foi obtido por uma ferramenta de "follow back" - seguir de volta quem a segue.

"Seguia por cortesia, já que é impossível ler. Depois de 85 mil, a ferramenta passou a ser paga e eu deixei de usar."


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