Folha de S. Paulo


Número dois do Vaticano, cardeal é alvo de intrigas

Na usina de intrigas e boatos em que se transformou o Vaticano nos últimos meses, o salesiano Tarcisio Bertone, 78 anos completados no dia 2 de dezembro, é sempre um dos personagens principais, em geral o principal.

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É natural que seja assim: em 2006, ou seja, no ano seguinte à eleição de Joseph Ratzinger como papa, Bertone foi nomeado secretário de Estado, o segundo posto na hierarquia do Vaticano. Um ano depois, seria designado camerlengo, sempre por Bento 16, como é óbvio.

Camerlengo é a pessoa que convoca os cardeais para o conclave que elegerá o novo papa e também quem anuncia o escolhido. Uma espécie de gestor interino do Vaticano entre a morte ou, como agora, renúncia de um papa e a eleição de outro.

Alessandro Bianchi/Reuters
O cardeal Tarcisio Bertone, à direita, durante missa de quarta-feira de Cinzas, no Vaticano; atrás, Bento 16
O cardeal Tarcisio Bertone, à direita, durante missa de quarta-feira de Cinzas, no Vaticano; atrás, Bento 16

Com essa visibilidade, as intrigas anônimas dos últimos meses "atacaram o secretário de Estado para atingir um alvo mais elevado", escreve Paolo Griseri, que cobre Vaticano para o "La Reppublica".

O alvo mais elevado seria Bento 16, mas há outras versões para o tiroteio contra esse piemontês de Romano Canavese que fez todo o seu percurso de estudos em instituições salesianas.

Bertone teria atraído a ira da Cúria romana ao afastar os homens ligados a seu antecessor no cargo, o cardeal Angelo Sodano, hoje presidente da Conferência Episcopal italiana --outro polo de poder, dado que a Itália é o país que tem maior número de eleitores no conclave (28 em 117 contra, por exemplo, 5 do Brasil).

Há um caso concreto de afastamento que ajuda a entender a ira contra Bertone: o cardeal Carlo Maria Viganò, que chefiava o Governatorato, responsável pelas licitações e pelo abastecimento do Estado do Vaticano, escreveu carta ao papa, denunciando irregularidades e solicitando a permanência no cargo.

A carta vazou na televisão italiana e Bertone em seguida despachou Viganò para os Estados Unidos, como núncio apostólico.

Em termos ideológicos --item que não está na ordem do dia hoje no Vaticano-- Bertone é definido por Griseri como líder de um "Novo Centro". À direita, o líder seria Angelo Scola, cardeal de Milão, em tese o favorito de Bento 16 para sucedê-lo.

Mas, na época de sua nomeação para a secretaria de Estado, a leitura mais disseminada foi a de que Bento 16 buscava um braço direito para ajudá-lo nas disputas internas na Cúria.

Que há divisões na igreja, o próprio Bento 16 o admitiu, na Missa de Cinzas. Que Bertone o tenha ajudado, no entanto, é uma tese polêmica, visto que o papa acabou por deixar o cargo, embora alegando apenas falta de forças para prosseguir.

Sacerdote há 53 anos, Bertone é licenciado em teologia e história da religião, pela Faculdade Salesiana de Turim, a capital piemontesa.

Ele foi reitor da Pontifícia Universidade Salesiana e é doutor em direito canônico, o que o coloca em situação privilegiada para gerir a transição, dado o ineditismo de uma renúncia papal, que exige interpretações das regras canônicas ao alcance apenas de especialistas.

Bispo em 1991, cardeal em 2003, tornou-se, em 1995, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Inquisição.


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