Folha de S. Paulo


Mesmo sem reforma, há saída para reduzir gasto, diz consultor do Senado

Nos últimos dias, um estudo do consultor do Senado Pedro Fernando Nery, 30, começou a circular entre governistas. A leitura corrente é que a pesquisa comprova que votar a favor da reforma da Previdência rendeu votos aos deputados em 1998.

Não é bem assim. Em entrevista à Folha, ele afirma que o voto na Previdência não influenciou, nem para o bem nem para o mal. E o mais relevante para a reeleição foi a verba destinada a emendas –obras incluídas no Orçamento pelos parlamentares nas regiões que os elegeram.

Um dos especialistas mais ativos nas redes sociais, com opiniões geralmente favoráveis à reforma, Nery afirma que o governo tem alternativas para reduzir gastos na Previdência caso não consiga os votos necessários para uma PEC (proposta de emenda constitucional) –na Câmara, por exemplo, é preciso o apoio de ao menos 308 dos 513 deputados.

*

Folha - Sem a reforma, o que o governo pode fazer para economizar?

Pedro Fernando Nery - Supondo que o governo tenha votos para aprovar projetos de lei, mas não uma PEC [ proposta que requer apoio de 60% dos parlamentares], há uma série de medidas que pode fazer, como Fernando Henrique Cardoso fez em 1999 com o fator previdenciário [fórmula que reduz o valor do benefício para quem se aposenta mais cedo].

Pode ajustar a forma de cálculo da [aposentadoria] da iniciativa privada, com impacto grande no curto prazo –por exemplo, extinguir a fórmula 85/95 e criar um fator previdenciário mais duro.

O governo pode elevar ainda mais a contribuição dos servidores –agora estão tentando elevar para 14%. Pode reduzir também a pensão por morte no INSS.

Há outras mudanças que geram economia, mas que não são tão progressivas [que preservam os mais pobres].

O governo pode mexer em quase tudo do BPC [benefício a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda], pode alterar critérios para comprovar tempo de contribuição na atividade rural. No entanto, seria incoerente depois de ter retirado esse público da atual proposta.

Em 1998, a reforma impactou o resultado das eleições?

O grupo que votou favorável à reforma teve mais deputados reeleitos do que quem votou contra, mas essa variável não afetou positiva ou negativamente.

Cálculos do Carlos Pereira e Lúcio Rennó [no estudo "O que É que o Reeleito Tem?"] mostram que, na eleição de 1998, a probabilidade de reeleição foi 25% maior para um parlamentar que teve todas as suas emendas executadas. Ou seja, não é consequência de votar a favor da reforma, mas o fato de ter apoiado o governo que impactou na reeleição.

Um governo bem-sucedido na eleição ou um governo que tem verba para distribuir?

As duas coisas. E aí tem um alerta sobre transportar os resultados para 2018.

Primeiro, em 1998, o governo era formado por uma coalizão que tinha perspectiva de se manter no poder. Fernando Henrique Cardoso foi reeleito [venceu Lula no primeiro turno, com 53% dos votos].

E o cenário eleitoral era mais definido do que o de agora. A gente mal sabe quem será o candidato governista.

Para se reeleger, o deputado deve pensar mais nas emendas do que na Previdência?

Não dá para saber se vai ser igual no ano que vem, pode ser menos porque este governo é mais fraco. Mas pode ser mais porque os recursos estão mais escassos e a emenda pode ser um chamariz maior agora, que o financiamento privado [às campanhas eleitorais] não existe.

E o que há de semelhante?

Uma questão que persiste de 1998 para 2018 é uma reforma focada na Previdência urbana e funcionalismo. Não atinge população rural e Benefício de Prestação Continuada. Também tende a ser menos impopular no Norte e no Nordeste, que não só têm população mais jovem mas também é menos atendida pelos benefícios que estão sendo reformados.

A reforma de agora retoma a discussão sobre a idade mínima, como em 1998. A resistência é maior agora?

Acho que sim, as redes sociais, ainda que não sejam determinantes nas eleições, são um instrumento a mais de pressão.

Se em 1998 a população tinha que vir ao Congresso Nacional, agora pode ficar no Twitter, no Facebook, pode ter o WhatsApp do deputado.

Quem defende a reforma diz que tem mentira circulando, as chamadas fake news.

Já foi algo que prejudicou muito a reforma, a disseminação de informações falsas nas redes sociais. É algo que o governo tem dificuldade de contornar.

Também é uma frustração que muitos técnicos têm, de estudar o assunto e ver que a informação que está mais disseminada não tem tanto amparo assim...

As informações falsas são má-fé ou falta de conhecimento?

As ideias são muito sedutoras. O noticiário está sempre eivado de corrupção e aí vem um vídeo no WhatsApp que diz que o governo desvia recurso da Previdência Social e que não existe necessidade de reforma. Para boa parte da população, esse é um argumento que faz sentido, que ressoa. É o que você vai compartilhar com seu vizinho, o que provoca medo, preocupação. Então embora ela possa ter sido criada por má-fé, sobrevive quase sem esforço de quem a originou.

Qual a pior notícia falsa?

Quando você espalha que o pobre não vai se aposentar, ou que ele vai morrer antes de se aposentar.

É justamente o contrário, porque as pessoas estão vivendo mais e recebendo benefício por mais tempo. Provocar medo em pobre para defender benefícios maiores é o mais incômodo.

-

RAIO-X

Formação
Tem graduação e mestrado em economia pela UnB (Universidade de Brasília). Vencedor do Edgardo Buscaglia Award on Empirical Research in Law and Economics, da Associação Latinoamericana e Ibérica de Direito e Economia (Alacde)

Atuação
É consultor do Senado (concursado) desde 2014. É editor do Brasil, Economia e Governo, blog para discussão de assuntos econômicos


Endereço da página:

Links no texto: