Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Sem acordos, OMC começa a perder relevância

O jornal indiano "Business Today" foi impiedoso na sua manchete desta quarta-feira (13): "O começo do fim da OMC" (Organização Mundial do Comércio).

Nem esperou o fim da 11ª Conferência Ministerial, em Buenos Aires, para começar a cravar os primeiros pregos no caixão do grande xerife do comércio global.

Mas não foi um anúncio muito precipitado: a conferência –que é a instância suprema da instituição– chegou ao fim sem qualquer acordo em torno dos temas fundamentais que estavam na agenda.

Como se fosse pouco, o "M" de Mundial começou de fato a deixar de ser válido para os 164 países que participam da OMC.

Como não se chegou a um acordo para pelo menos começar a discutir regras para o comércio eletrônico (tema que seria a estrela de Buenos Aires), 70 países resolveram iniciar eles próprios o debate a respeito, a margem dos canais usuais da OMC.

Entre os 70, estão duas das maiores usinas comerciais do planeta, os Estados Unidos e a União Europeia.

O caso do e-commerce de certa forma ilustra o momento crítico pelo qual passa a OMC: nem consegue meter-se nos temas da economia do futuro nem consegue resolver os temas da já fantasmagórica Rodada Doha.

Entre eles, enquadrar a agricultura na liberalização que é –ou deveria ser– o grande foco da OMC.

Como se o desacordo em Buenos Aires já não bastasse, a conferência serviu para que os Estados Unidos explicitassem seu enorme descontentamento com a OMC, que já vinha se manifestando desde que Donald Trump assumiu em janeiro.

Explica o "Financial Times": "Robert Lighthizer [responsável pelo comércio internacional americano] acredita que o sistema OMC –com regras que necessitam o consenso de todos os membros– não funciona e necessita reformas severas".

Mas os EUA não são os únicos responsáveis pelo estado comatoso da OMC: a Índia também foi inflexível. Chegou a Buenos Aires com a inamovível disposição de impedir qualquer avanço em qualquer assunto se não lhe fosse concedida segurança jurídica para subsidiar a formação de estoques agrícolas, que considera essenciais para a segurança alimentar.

Ainda que todos os países tenham voz e voto por igual na OMC, o fato é que o rumo das negociações é determinado basicamente pelo que os especialistas chamam de G5 (EUA, União Europeia, China, Índia e Brasil).

Com dois dos gigantes (EUA e Índia) inflexíveis, a chance de algum sucesso, mesmo limitado, já era mínima nas negociações prévias em Genebra. Virou zero em Buenos Aires.

Como fica o Brasil nesse contexto? O país sempre apostou suas fichas no âmbito multilateral (a OMC, portanto). Era inevitável em se tratando de país que comercializa com quase todo o mundo. Essa realidade não muda, razão pela qual a disposição da delegação brasileira é a de lutar para que, no pós-Buenos Aires, não se jogue fora tudo o que já foi feito pela OMC.

Mas, ao mesmo tempo, já está voltando os olhos para acordos plurilaterais –como o entendimento entre Mercosul e União Europeia, que, por sinal, foi debatido em Buenos Aires, em paralelo ao encontro da OMC.


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