Folha de S. Paulo


Corte de professores na Estácio afetou imagem das reformas, diz ex-acionista

Danilo Verpa/Folhapress
SAO PAULO - SP - 22.11.2017 - Retrato do empresario de educacao Chaim Zaher. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, MERCADO)
O empresário Chaim Zaher, que foi o maior acionista da Estácio

A demissão de 1.200 professores anunciada na terça-feira (5) pela Estácio, segunda maior instituição de ensino superior do país, prejudica a imagem da reforma trabalhista e pode atrapalhar os esforços pela reforma da Previdência.

A opinião é do empresário Chaim Zaher, que até agosto era o maior acionista individual da Estácio, antes de vender as suas ações. O corte em massa foi interpretado como um primeiro sinal avassalador da reforma, mas para ele se trata apenas de uma ação da empresa em busca de resultados financeiros e não será uma tendência no setor.

Zaher agora torna pública a decepção que o levou a deixar a companhia, listada em Bolsa, e está cético em relação ao papel do capital financeiro na educação.

"O mercado financeiro quer resultado no curto prazo. Muitas vezes, isso fere um pouquinho a qualidade", constata o empresário, que recentemente comprou a rede infantil Maple Bear no Brasil e recomprou o sistema de ensino Pueri Domus, entre outros ativos.

Ele conclui que "quem acabou com o [crédito estudantil] Fies foram os próprios donos das instituições".

"Em vez de fazerem o Fies cumprir sua função social, de atender o aluno que não podia pagar, eles ofereceram a quem podia pagar."

O empresário nega que o esgotamento do Fies tenha motivado sua saída da Estácio e vê o seu renovado interesse pelo ensino básico como um retorno às origens.

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Folha - A demissão em massa na Estácio foi vista como o início da reforma trabalhista. Será uma tendência no setor?

Chaim Zaher - Sou frontalmente contra [a demissão]. A reforma trabalhista tem que vir para ajudar, e não para esse tipo de ação. É anormal demitir tantos professores de uma vez. A instituição que fizer isso vai ver decair a qualidade com certeza. Não se pode confundir uma ação isolada de alguém que quer buscar resultado com uma tendência na educação. Muitos educadores jamais fariam isso, e por isso, às vezes, até atravessam dificuldade.

Tem impacto político?

Você vê que proporção tomou? Um estrago. Isso prejudica a imagem da reforma trabalhista e até a da Previdência. Essa ação isolada pode atrapalhar as reformas que são benéficas para o país.

Como essa ou outras escolas que venham a demitir vão conseguir substituir tantos professores de uma vez?

Não tem 1.200 parados. Não pode contratar os mesmos. Na minha opinião, essa demissão é uma busca por resultado [financeiro]. Se eu estivesse no conselho da Estácio, nunca admitiria isso. É um dos motivos que me fizeram sair.

Nos protestos dos alunos contra essa demissão, eles gritam "volta Chaim". O sr. não se arrepende de ter vendido?

Eu sou cobrado pelos alunos. Por um lado, é bom ver que teve satisfação, que eles reconheceram. Mas não posso fazer nada. Infelizmente. Fico com dor no coração. Agora tem a Advent. É um pessoal sério, vão tomar uma posição.

As duas maiores concorrentes do setor, Kroton e Estácio, tentaram uma fusão neste ano, mas foram barradas pelo Cade [órgão que avalia questões de concorrência]. A consolidação do ensino superior no Brasil tem limite?

A maneira com que foi feito [o negócio] foi muito errada. Iria consolidar demais. Não tenho nada contra a Kroton querer ser a maior do mundo, mas na compra da Anhanguera [negócio anunciado em 2013], o Cade deu um sinal de que eles já eram grandes.

Depois disso, de novo, ela vai para o mercado e quer comprar o segundo colocado [Estácio]. Essa insistência não foi boa. Desde o início eu fui contra. O erro foi ter acionistas que eram da Kroton e da Estácio pressionando para que saísse o negócio.

Por que o sr. saiu da Estácio depois da negativa do Cade?

Quando eu entrei na Estácio, vi ali uma joia que poderia se consolidar no segundo lugar ou até buscar o primeiro, mas com qualidade. Recebi a garantia de que eu ficaria na presidência do conselho se eu fizesse a fusão, o que não aconteceu. Foi a minha primeira frustração. Minha proposta no conselho da Estácio era formar um grupo de excelência. Mas o pessoal de capital aberto tem que dar satisfação para o investidor.

Essa mistura do capital financeiro com educação é tóxica para a qualidade do ensino?

Depende de quem está à frente. Eu era o maior acionista da Estácio e nunca consegui agir. Essa foi a minha frustração. Eles enxergam acionista relevante como um pecado, que pode definir o rumo da instituição, que vai pensar a médio e longo prazo. Mas médio e longo prazo não condiz com o mercado financeiro, que quer resultado de curto prazo.

Não estou dizendo que eles estão errados. O executivo ganha por buscar resultado e valorizar a ação. Muitas vezes, isso fere um pouquinho a qualidade. Tem instituição que corta tanto custo, falta até papel higiênico para o aluno. A médio e longo prazo isso detona a instituição. Esses acionistas que querem resultado saem daqui a pouco, pegam outra coisa e vão embora.

Com essa barreira à consolidação do ensino superior, o médio é a bola da vez?

Ensino médio é diferente do adulto. Ensino infantil e médio tem que ter orientação. Precisa estar às 6h da manhã na porta da escola recepcionando pais. Você não vê isso em educação superior. Eles nem conhecem. Mas talvez pela pressão de ter algo para dar satisfação ao mercado, ele parte para o ensino médio. Acho um equívoco querer misturar. Pode até fazer, mas tem que ser independente.

Por que os negócios são tão diferentes?

Um negócio não fala com o outro. Não dá para colocar aluno de ensino fundamental dentro de uma universidade, que é o que a Estácio está querendo fazer. Aluno de superior não gosta de estudar onde tem aluno de ensino fundamental e vice-versa. Usar o prédio quando estiver vazio é uma hipótese, se tiver infraestrutura. Mas o diretor não está habituado.

Que vantagem o setor tem ao buscar o ensino médio, se a margem é mais baixa? Só estão indo porque fechou a janela para a consolidação no ensino superior?

No caso da Kroton, sim. Para os outros ainda não fechou. Mas alguns querem entrar na onda. A Kroton está bem definida, tem um plano e uma meta. Se não conseguem mais comprar para crescer, vão para outro mercado.

O sr. parece estar voltando para onde começou. Por que?

Porque eu gosto. É meu DNA. Comecei com cursinho e ensino médio. Talvez eu estivesse errado ao querer ir para o superior e dar a qualidade que eu dou no ensino médio.

Qual é a dificuldade no superior?

O governo deveria olhar mais como são feitos esses investimentos. Muitos são especulativos. Em educação deveria ser mais consistente. O governo até tem ajudado muito a educação, quando abre Prouni ou o próprio Fies. Quem acabou com o Fies foram os próprios donos das instituições. Eles foram com muita sede ao pote. Em vez de fazerem com que o Fies cumprisse a função dele, que era social, de atender aquele aluno que não podia pagar, eles ofereceram para quem podia pagar. Para a escola era vantajoso passar no Fies. Eles acabaram com isso e hoje estão sofrendo as consequências. O governo fez muito bem em por ordem na casa.

Esse esgotamento do Fies também foi um motivo que levou o sr. a sair da Estácio?

Não. Na Uniseb não tinha nem Fies.

Mas no seu período de Estácio, ela se beneficiou do Fies.

Muito. Todas. Foi a época da vaca gorda.

O sr. não pensa em voltar a abrir o capital?

Eu sou diariamente procurado por grandes fundos querendo entrar comigo. Não tenho interesse. Vou abrir o capital da empresa? Até posso pensar, mas desde que entendam que é para crescer. Eu tenho pensado muito se vale a pena. Atualmente, todo o investimento que estou fazendo é próprio. Não estou dizendo que nunca mais eu volto. Posso voltar, desde que eu possa montar universidades com qualidade.

RAIO-X
Trajetória
> Ingressou no setor de educação vendendo matrícula de escolas na década de 1970; nos anos 1980, comprou o COC
> Fundou, em 1999, as Faculdades COC, que originaram a Uniseb
> Em 2013, vendeu a Uniseb à Estácio, da qual virou acionista; vendeu sua participação neste ano
Atuação
Em 2016, fundou a Concept para investir em educação infantil e fundamental


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