Folha de S. Paulo


Coinbase: o coração do frenesi do bitcoin

Karen Bleier/AFP
Moeda digital bitcoin cai mais de 10% após alerta do banco central da China
Moeda digital bitcoin

O mercado de ações que floresceu nos Estados Unidos nos anos 20 tinha a Bolsa de Valores de Nova York. A bolha da tecnologia dos anos 90 tinha a Nasdaq e a E-Trade. E o mercado de moedas virtuais dos últimos 12 meses tem a Coinbase.

A Coinbase ocupa posição central no frenesi especulativo que vem empurrando a alta na cotação do bitcoin –que ultrapassou os US$ 13 mil na quarta-feira– e moedas semelhantes. Embora existam muitas bolsas de bitcoin em todo o mundo, a Coinbase vem sendo o mercado dominante para os norte-americanos comuns que desejam comprar e vender moedas virtuais. Nenhuma empresa facilitou mais a inscrição, o vínculo com contas bancárias e cartões de débito, e as compras iniciais de bitcoins.

O número de pessoas que têm contas na Coinbase subiu de 5,5 milhões em janeiro a 13,3 milhões no final de novembro, de acordo com dados do Altana Digital Currency Fund. No final de novembro, a Coinbase estava registrando até 10 mil clientes novos por dia –o que a levou a ter uma base de clientes maior que a de corretoras de ações como a Charles Schwab e a E-Trade.

O QUE SÃO CRIPTOMOEDAS?
O que são e para que servem

A empresa enfrenta desafios que fazem lembrar os dias iniciais das corretoras de ações online, que hoje são parte integrante do mercado financeiro mas inicialmente sofriam com quedas de sistemas em momentos inoportunos e com as críticas ásperas das companhias tradicionais de finanças e das autoridades regulatórias. E os tropeços da Coinbase deixam claro que o setor de moedas virtuais ainda é jovem, e não passou pelos testes em situação de batalha que outros mercados financeiros já superaram.

Os escritórios da Coinbase, no centro de San Francisco, mostram uma startup se esforçando para acompanhar o ritmo de crescimento de seu mercado. A empresa oferece todas os benefícios habituais do setor de tecnologia aos seus empregados: almoços e jantares grátis, um refeitório grande e uma sala com esteiras para ioga e jogos de tabuleiro.

Mas todo o espaço disponível na sede terminou por ser colocado em uso, nos últimos meses. No dia em que o bitcoin chegou à cotação de US$ 10 mil, na semana passada, uma sessão de treinamento para executivos da Coinbase foi transferida para a sala de jogos, porque a equipe de engenharia teve de montar uma central de comando na sala de reuniões, para enfrentar a emergência.

A equipe de engenharia estava tentando reativar a rede da Coinbase, depois que o site foi derrubado por uma onda imensa de tráfego. O número de visitantes foi duas vezes maior do que havia sido no pico anterior –dois dias antes– e oito vezes mais alto do que o registrado em junho, o recorde da empresa até recentemente.

Todas as grandes bolsas de bitcoins tiveram quedas de sistemas por pelo menos parte do dia, e a Coinbase se recuperou mais rápido que a maioria dos rivais. Ainda assim, qualquer forma de paralisação como essa seria inaceitável em bolsas mais tradicionais, nas quais ações e commodities são negociadas.

"Houve determinados momentos este ano em que não fomos capazes de arcar com o volume", disse Jeremy Henrickson, vice-presidente de produtos da Coinbase. "Ainda não estamos onde precisamos".

Em quase todas as tardes de sexta-feira, Brian Armstrong, o presidente-executivo da Coinbase, promove uma reunião no refeitório na qual os empregados podem lhe perguntar qualquer coisa. Na sexta-feira da semana recorde, Armstrong discutiu os planos de crescimento da empresa e apresentou ao pessoal Adsiff Hirji, o novo vice-presidente de operações da companhia, que o ajudará a comandar isso tudo.

A contratação de Hirji, que exercia o mesmo papel na TD Ameritrade, foi um reconhecimento implícito de que o novo setor precisa de profissionais experientes para ajudar executivos jovens como Armstrong, 34. Hirji comandará as operações da Coinbase com moedas, e Armstrong se concentrará em novos projetos.

Armstrong vem dirigindo a Coinbase desde que a cofundou, em 2012. Um sujeito reservado e de fala macia, ele é uma figura incomum em um setor repleto de ideólogos falastrões. Fez poucas aparições públicas no recente surto de alta do bitcoin, e reconhece que o atual frenesi traz algumas consequências negativas.

"Provavelmente há foco excessivo no preço ou em pessoas tentando realizar lucros", disse Armstrong na semana passada. "O que me apaixona nas moedas digitais é o mundo ter um sistema financeiro aberto".

Há alguma ironia no sucesso de que Armstrong vem desfrutando por conta da alta no preço do bitcoin. Em 2015, ele ajudou a comandar um esforço para expandir a rede do bitcoin de forma a permitir que ela lidasse com maior número de transações. O esforço fracassou, e Armstrong declarou em entrevista recente que "o bitcoin partiu meu coração, um pouquinho". Ele disse que agora detém mais patrimônio em uma moeda virtual concorrente do bitcoin, o ether, que a Coinbase também oferece aos clientes.

A maioria das telas nos escritórios da Coinbase mostra o desempenho dos servidores da empresa e indicadores sobre os consumidores –como o número de consumidores que estão baixando o app da empresa para o iPhone. Por algum tempo, na semana passada, a Coinbase esteve entre os 10 apps mais baixados no iPhone– adiante do Twitter e Uber.

Algumas poucas telas –entre as quais as do refeitório– mostram o preço do bitcoin, litecoin e ether, as três moedas virtuais que a Coinbase vende, compra e mantém depositadas para seus clientes. O litecoin foi criado por um antigo funcionário da Coinbase e muitas vezes é comparado à prata, se o bitcoin for comparado ao ouro. O ether, mais recente, que reside na rede Ethereum, é a segunda moeda digital mais valiosa, atrás do bitcoin.

A Coinbase se diferenciou das demais companhias pioneiras do bitcoin ao obter uma das primeiras licenças especiais para empresas que desejavam operar com moedas virtuais em Nova York, conhecidas como BitLicense.

Nos últimos 12 meses, porém, a mais notável interação entre a Coinbase e o governo aconteceu quando a receita federal norte-americana solicitou que a companhia lhe entregasse seus registros de clientes. Os detentores de bitcoins deveriam pagar impostos se obtiverem ganhos ao vender a moeda, mas a receita informou que apenas algumas centenas de pessoas o fazem a cada ano.

A Coinbase resistiu à solicitação de base ampla da receita e, na semana passada, quando o preço estava em disparada, anunciou um acordo para entregar apenas os registros de clientes que tenham realizado transações em valor superior a US$ 20 mil em moedas virtuais –cerca de 3% dos clientes da companhia.

Além dos serviços de corretagem para pequenos investidores, a Coinbase opera também uma bolsa chamada GDAX, dirigida a investidores de maior porte.

A GDAX é supervisionada por Adam White, antigo oficial da força aérea norte-americana, diplomado pela Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard. No dia em que o bitcoin chegou aos US$ 10 mil, ele estava em Nova York conversando com grandes instituições financeiras interessadas no bitcoin. Algumas companhias estão se preparando para começar a operar contratos futuros de bitcoins este mês, quando isso se tornará possível na Bolsa Mercantil de Chicago.

Um ano atrás, era difícil para ele obter contatos em Wall Street, mas "o tráfego mudou de direção, agora", disse White.

Não surpreende que a Coinbase esteja em meio a uma onda de expansão. Recentemente, alugou espaço para escritórios em Nova York, a fim de atender a Wall Street, e para um novo serviço que manterá depósitos de moedas virtuais pra grandes clientes. Em San Francisco, está alugando mais dois andares no edifício onde hoje ocupa um andar.

Ainda assim, a maior preocupação entre os investidores em moedas virtuais é que a Coinbase não esteja se expandindo com velocidade suficiente. Em maio, ela foi criticada por um cliente que não conseguiu falar com pessoa alguma da empresa quando sua conta foi invadida por um hacker.

A Coinbase está tentando melhorar seu atendimento. No começo do ano, ela tinha 24 funcionários oferecendo apoio a clientes. Agora tem 180, a maioria deles terceirizados, com pessoal fornecido por um call center no Texas e um centro de respostas por e-mail nas Filipinas. O refeitório ocasionalmente se transforma no "Crypto Club", no qual novos empregados são treinados quanto aos detalhes das moedas virtuais.

Daniel Romero, gerente geral da Coinbase, disse que quer ter 400 funcionários no atendimento ao consumidor, pelo final do primeiro trimestre de 2018, e oferecer assistência telefônica 24 horas. Mas enquanto isso, há uma espera de 10 dias para atendimento dos pedidos de assistência.

"Quando seus problemas de assistência ao consumidor se tornam assim públicos, e o seu site cai quando as pessoas queriam estar operando", disse Romero, "isso é uma lição de humildade".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: