Folha de S. Paulo


Boom das moedas virtuais chega a pequeno investidor na Coreia do Sul

Woohae Cho/The New York Times
Students of Konyang University visit Coinone, a virtual currency exchange office in Seoul, South Korea, Nov. 28, 2017. Around the world, ordinary people with no prior experience in virtual currencies have been lured into the markets by soaring prices, but nowhere has the public frenzy been more feverish than in South Korea. (Woohae Cho/The New York Times)
Estudantes da Universidade Konyang visitam a Coinone, empresa de câmbio de moedas virtuais

Choi Whal-soo já sofreu as consequências de uma bolha especulativa.

Depois de vender sua imobiliária, perto de Seul, ele investiu em ações sul-coreanas e viu seu valor despencar, com a crise financeira asiática de 1997. Ele tentou se recuperar, continuando a apostar no mercado de ações e na loteria, mas perdeu ainda mais dinheiro.

Agora, aos 77 anos, ele espera recuperar as perdas no florescente mercado das moedas digitais, que levou o preço do bitcoin para mais de US$ 10 mil e gerou alta nos preços de muitas das moedas digitais alternativas.

Na semana passada, Choi visitou a sede física de uma das muitas novas bolsas de moedas virtuais sul-coreanas, com o plano de investir em moedas digitais cerca de um quarto dos US$ 18 mil que lhe restam em economias.

"Posso ter perdido o barco do bitcoin, mas novos barcos estão chegando, e quero embarcar neles", disse Choi. "É possível que alguns sejam trapaças, mas mesmo no caso desses, os preços subirão, pelo menos até a metade de seus ciclos de vida, e com isso haverá a chance de ganhar dinheiro operando com essas moedas".

Em todo o mundo, pessoas comuns, sem experiência anterior com moedas virtuais, foram atraídas aos mercados de moedas virtuais nas últimas semanas, por conta da disparada nos preços do bitcoin e de seus concorrentes.

Woohae Cho/The New York Times
Ra Saeyong, left, the owner of Bitcoin Center Korea, and a customer watch a Bitcoin status chart on TV in Seoul, South Korea, Nov. 29, 2017. Around the world, ordinary people with no prior experience in virtual currencies have been lured into the markets by soaring prices, but nowhere has the public frenzy been more feverish than in South Korea. (Woohae Cho/The New York Times)
Escritório do Centro de Bitcoin da Coreia

No Japão, pequenos especuladores correram ao bitcoin desde que o governo do país essencialmente legalizou a moeda virtual, alguns meses atrás, licenciando diversas bolsas para operá-la.

Nos Estados Unidos, a Coinbase, a maior corretora de bitcoin, conquistou 300 mil novos clientes em uma semana, de acordo com recentes relatórios de pesquisa.

Mas em nenhum outro lugar o frenesi público foi mais febril do que na Coreia do Sul. Foi nas bolsas sul-coreanas que o preço do bitcoin superou os US$ 10 mil pela primeira vez, na segunda-feira passada, horas antes que os Estados Unidos chegassem a um nível de exuberância semelhante.

E na semana passada, as operações de câmbio entre a moeda sul-coreana, o won, e o ether, o mais valioso concorrente do bitcoin, atingiram valor quase tão alto quanto as operações envolvendo dólares dos Estados Unidos e ether —e a Coreia do Sul tem população equivalente a apenas um sexto da população dos Estados Unidos.

No caso de algumas moedas virtuais, como o ripple e o bitcoin cash, as transações em won superaram as transações em dólares, de acordo com o site de pesquisa Crypto Compare.

Esses volumes de transações são ainda mais notáveis porque, apenas um ano atrás, os mercados de moedas virtuais mal existiam na Coreia do Sul, ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos e China, onde as transações com moedas virtuais vinham crescendo há diversos anos.

A ascensão súbita das transações com moedas virtuais foi dramática o bastante para que Lee Nak-yeon, o primeiro-ministro sul-coreano, expressasse preocupação na semana passada.

"Isso pode levar a sérias distorções ou a fenômenos sociais patológicos, se não for remediado", ele afirmou em comunicado, antes de uma reunião do gabinete.

Lee apelou ao Ministério da Justiça e outros órgãos do governo para que observassem a situação de mais perto. As autoridades regulatórias sul-coreanas já anunciaram uma proibição às chamadas "ofertas iniciais de moedas" (ICOs), sob as quais empreendedores vendem ao público novas moedas virtuais criadas para fins específicos.

Mas as bolsas nas quais as moedas virtuais já existentes são negociadas não sofrem qualquer fiscalização prática na Coreia do Sul, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos e no Japão.

Lee se declarou especialmente preocupado com os jovens que se deixaram envolver nesses mercados.

"Há casos nos quais jovens coreanos, entre os quais estudantes, estão se apressando a tentar ganhar dinheiro fácil, e moedas virtuais são usadas em atividades ilegais, tais como tráfico de drogas e trapaças de marketing multinível", ele disse.

Woohae Cho/The New York Times
A customer leaves Bitcash, a virtual currency exchange office in Seoul, South Korea, Nov. 28, 2017. Around the world, ordinary people with no prior experience in virtual currencies have been lured into the markets by soaring prices, but nowhere has the public frenzy been more feverish than in South Korea. (Woohae Cho/The New York Times)
Um cliente deixa a Bitcash, empresa de câmbio de moedas virtuais em Seul, Coreia do Sul

As moedas virtuais não foram o primeiro mercado especulativo a decolar entre os investidores caseiros da Coreia do Sul. O país tem alguns dos mercados de câmbio mais ativos do planeta, para os pequenos investidores, nos quais cidadãos comuns podem negociar wons, dólares, euros e moedas menores,

Ha Tae-hyeong, professor de Economia na Universidade de Suwon, disse que os sul-coreanos sentem atração por operações especulativas devido à falta de outras opções de investimento de alto rendimento.

"As pessoas estão em busca de alguma coisa que lhes propicie retornos mais elevados sobre o investimento", disse Ha.

O estudante de segundo grau Chung Gong-jin, 16, disse que foi atraído ao bitcoin por conta de sua alta tão rápida, e por não requerer o mesmo nível de conhecimento que o investimento em ações.

"Não sinto como se tivesse de estudar tanto para investir em bitcoins - sobre o mercado ou a economia, por exemplo -, quanto precisaria para investir em ações", disse Chung, que vive em um subúrbio de Seul.

Ele é parte de um grupo de 100 pessoas que se reúnem para conversar sobre investimentos e participam de conferências sobre moedas virtuais.

Mesmo os entusiastas das moedas virtuais estão preocupados com a súbita corrida ao bitcoin e ether. Dizem que investidores estão ingressando no mercado em muitos casos sem saber bem como funcionam as moedas virtuais —por exemplo sobre a rede descentralizada na qual todos os registros de transações são mantidos, ou sobre os motivos para que as moedas virtuais possam ser valiosas em longo prazo.

"Lamento ver tanta gente encarando o bitcoin de maneira míope, e tentando prever suas flutuações de preços em curto prazo para ganhar dinheiro rápido", disse Kim Joon-young, 28, que dirige um grupo popular sobre moedas virtuais no Facebook, o Plan B.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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