Folha de S. Paulo


É necessário mudar herança no Brasil, diz fundador da Cyrela

Zanone Fraissat/Folhapress
Elie Horn, empresário da Cyrela
Elie Horn, empresário da Cyrela

"Não consigo entender por que amealhar dinheiro sem ajudar [os pobres]. Não tem lógica. Não é justo. Nossa obrigação é conscientizar todo o mundo para fazer o bem." A afirmação é de Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela, referência na incipiente filantropia brasileira.

Não são fáceis os comentários públicos sobre desigualdade entre expoentes da alta renda no país. A reportagem contatou as assessorias de imprensa dos dez maiores bilionários do Brasil, como Jorge Paulo Lemann, Maria Helena e Ermirio Pereira de Moraes e José Roberto Marinho. Nenhum quis comentar o tema.

O cenário está mudando, na opinião de Neca Setubal, presidente do conselho do Gife (associação de investidores sociais) e acionista do Itaú.

De acordo com ela, a desigualdade deixou de ser assunto da esquerda. "O tema está forte no mundo. Neste ano, no Fórum Mundial, que não é de esquerda, foi dito que isso tem que estar no foco. Os economistas viram que o nível de desigualdade está afetando o crescimento sustentável."

Para o fundador da Cyrela, combater a pobreza é um "dever moral" que precisa ser exposto e discutido para promover a "conscientização". Falar disso publicamente foi uma barreira que Horn diz ter rompido em nome da causa.

"As pessoas não querem se expor. Até três anos atrás, eu não queria. Perde tempo, cria inimigos. Sempre há o lado negativo. Mas o positivo é maior. Falar publicamente é fazer com que outras pessoas repitam o bem", diz ele.

TRIBUTO E HERANÇA

Elie Horn, que há dois anos anunciou a doação de 60% de seu patrimônio, estimado em US$ 1 bilhão, diz que o empresariado tem forte papel no combate à desigualdade. Ele conta que seu pai doou 100% do patrimônio, o que o estimulou a construir a própria fortuna.

"Quando morre alguém que tem muito dinheiro, deixa para os filhos. Se ele der 100 ou 90 para o filho, não faz muita diferença. Ao contrário, ao deixar 90, você faz um bem para esse filho porque ele aprende a lutar mais. Mas o 10 que ele deixa para a caridade faz muita diferença para humanidade e ajuda um montão de pobres a estudarem e se medicarem. Temos que mudar a cultura da herança", diz o empresário.

Economistas acreditam que o baixo imposto de herança no Brasil (de até 8%) desestimula a filantropia e aumenta a desigualdade. Mas Horn duvida da eficácia de elevá-lo e diz que a decisão deve ser pessoal.

"O problema não está no imposto. Tem que ter um "auto-imposto". Se não [for voluntário], também não vale como livre arbítrio. Se eu dou porque a lei me obriga, isso tem um valor. Mas se eu dou porque eu quero, tem muito mais valor", diz ele.

Na opinião de Horn, aumentar a tributação pode provocar um afastamento dos contribuintes. "Por isso a França está cortando imposto, para trazer pessoas de volta. Tem é que conscientizar [para a doação]."

Para Neca Setubal, a discussão tributária é complexa, mas precisa ser enfrentada.

"A questão tributária tem que se reverter para um tributo progressivo. Esse é um ponto super importante que não pode estar fora do debate", afirma.

Ela também pondera que, apesar de necessário, esse enfrentamento aos privilégios proporcionados aos mais ricos pelo sistema tributário brasileiro pode afastar contribuintes.

"Muitas famílias já mudaram seu endereço fiscal para Portugal. Uma das questões é tributária porque volta e meia vem a discussão de como tributar grandes fortunas. Por isso eu falo que tem que ser muito bem desenhado. É uma questão sensível e complexa", ressalva.


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