Folha de S. Paulo


Indústria da tecnologia cria empregos fora de centros urbanos nos EUA

Ellen Gaugler se lembra de levar seu pai de carro à siderúrgica Bethlehem Steel, onde ele trabalhou a vida inteira transportando vigas metálicas da linha de produção para os vagões de trem que as aguardavam.

Quando a usina fechou, cerca de duas décadas atrás, Gaugler acreditava que nunca mais voltaria a cruzar aqueles portões, especialmente não para realizar um trabalho com salário decente e que envolve atividade física.

Mas no ano passado ela viu um anúncio de emprego sobre uma vaga em um armazém local que a levou a mudar de ideia. Ela nunca tinha ouvido falar da Zulily, a empresa de varejo on-line que estava procurando pessoal, mas conhecia o endereço mencionado: era o local da antiga usina, bem perto de onde pai trabalhou a vida inteira.

"Quando cheguei para a entrevista, a sensação era a de estar em casa", disse Gaugler. Ela foi contratada.

À medida que o comércio se transfere das lojas convencionais para mercados on-line, muitos trabalhadores de varejo se veem sem emprego, mas Gaugler está na ponta oposta da tendência.

Empresas como a Zulily, Amazon e Walmart estão concorrendo para levar produtos aos lares dos compradores o mais rápido possível, o que resulta em uma constelação de vastos armazéns que criou um boom de empregos para trabalhadores sem curso superior e instilou vida nova em bolsões dos Estados Unidos que viviam em atraso econômico.

Os armazéns produziram centenas de milhares de empregos desde que a recuperação começou, em 2010, contratando em ritmo quatro vezes superior ao do crescimento do emprego na economia em geral. Porção significativa desse crescimento vem ocorrendo fora das grandes áreas metropolitanas, em municípios que até recentemente não estavam muito envolvidos no trabalho de embalagem e manipulação de produtos.

"Estamos bem no começo de uma transformação muito grande, e o humilde armazém está na vanguarda do processo", disse Michael Mandel, estrategista econômico chefe do Progressive Policy Institute, em Washington.

"Os empregos em centros de distribuição não estão sendo criados nos centros em que a tecnologia vinha crescendo até agora. Ampliamos o círculo dos beneficiados".

Os norte-americanos agora se sentem mais confortáveis encomendando todo tipo de produto na Internet, o que inclui itens volumosos como canoas e refrigeradores. Os armazéns, como resultado, agora são gigantescos; sua área total dobrou de 2010 para cá, de acordo com a CBRE, uma empresa de serviços imobiliários.

Embora robôs tenham começado a interferir no processo, ainda são necessários muitos trabalhadores para transportar centenas de milhares de caixas de e para essas edificações a cada dia. Os armazéns que servem aos sites mais importantes de comércio eletrônico tipicamente empregam cada qual mais de duas mil pessoas.

VANTAGENS

Os nódulos dessa rede se espalham pelo país. No condado de Bullitt, no Kentucky, ao sul de Louisville, o emprego em armazéns subiu a seis mil trabalhadores em 2017, ante 1,2 mil em 2010, de acordo com o Departamento do Trabalho. Em Kenosha, Wisconsin, no passado um polo industrial cujas linhas de montagem produziam carros como o Nash Rambler e o Plymouth Horizon, o número de empregos em armazéns subiu de 250 para 6,2 mil no mesmo período.

Esses lugares têm a vantagem de estar próximos a rodovias e ferrovias que conduzem a algumas das maiores cidades dos Estados Unidos. Também oferecem terrenos e mão de obra abundantes e baratos, dois ativos que se tornaram cada vez mais vitais para as empresas que vendem online.

A mesma lógica fez do terreno que abriga as carcaças da Bethlehem Steel um paraíso para os armazéns, e oferece a moradores locais como Gaugler a sensação de que sua cidade natal talvez esteja prosperando.

Gaugler, 54, ganha US$ 13,50 por hora separando e embalando pedidos no armazém da Zulily, onde os trabalhadores tendem a se referir aos compradores finais dos produtos como "mamãe". Ela trabalha de quarta a sábado, fazendo turnos de 10 horas, e sempre que pode faz horas extras.

"Gosto de preparar os pacotes para mamãe", ela disse. O trabalho é fisicamente cansativo, diz Gaugler, mas é simples. Ela recebe uma lista dos itens que o pedido inclui e os apanha nas prateleiras a cada manhã —brinquedos, louça, roupas de bebê. O objetivo é chegar ao fim da lista o mais rápido possível. Ela recebeu dois aumentos de 25 centavos de dólar por hora nos 12 últimos meses.

Há pessoas na cidade que sentem nostalgia pela época em que a siderúrgica enchia o céu de fumaça negra e as fornalhas queimavam o dia todo. Mas não Gaugler. "Esses empregos são seguros", ela disse. "Na siderurgia, você nunca sabia se o seu emprego continuaria existindo no dia seguinte".

O pai dela talvez tivesse situação melhor na siderúrgica —tinha 13 semanas de férias por ano e "não precisava se preocupar com contas atrasadas, como acontece de vez em quando", disse Gaugler. Mas ela tem apenas um diploma superior de licenciatura curta, e diz que o emprego atual paga melhor que a maioria das demais possibilidades. E inclui seguro-saúde, férias pagas e fundo de pensão.

Antes de o armazém chegar, a área tinha pouco a oferecer em termos de empregos de salário decente para trabalhadores de baixa capacitação. Mas a Amazon viu algo de promissor na ossada da cidade.

Ela fica ao lado da Rodovia Interestadual 78, e oferece um portão de entrada para a maior área metropolitana dos Estados Unidos —Nova York fica a 130 quilômetros— e há sete outros Estados ao alcance do local para percursos com duração máxima de um dia.

"A localização permite que atendamos clientes na costa leste e na região em torno de Washington", disse Ashley Robinson, porta-voz da Amazon. "Há infraestrutura que permite movimentar aqueles caminhões para fora do vale do Lehigh. E há mão de obra".

A empresa instalou dois centros modestos de distribuição perto de Allentown, a cidade ao lado de Bethlehem, que ganhou fama por servir de inspiração a uma canção de Billy Joel sobre a morte dos empregos industriais.

Outros grupos de varejo correram a seguir seu exemplo, atraídos em parte por incentivos fiscais, como reduções de alíquotas ou restituições, o que permitirá que as empresas que se desenvolveram no complexo siderúrgico economizem centenas de milhares de dólares em impostos nos próximos dez anos.

Como resultado, a região no centro e leste da Pensilvânia que inclui o vale do Lehigh cresceu mais rápido do que qualquer outro mercado dos Estados Unidos, nos últimos cinco anos, de acordo com a CBRE. Os varejistas costumam expandir seus quadros com trabalhadores temporários na época de festas —a Amazon anunciou planos para contratar 120 mil trabalhadores sazonais até o final do ano—, mas também estão contratando muita gente em definitivo. O emprego nos armazéns na área de dois municípios que abarca Bethlehem subiu de 5.200 trabalhadores em 2010 a 15,2 mil em 2017.

"Não conheço outro lugar do planeta que tenha ido de submercado a polo mundial em oito anos", disse David Egan, diretor mundial de pesquisa logística e industrial da CBRE. "É inegável que esse é um mercado crucial, um mercado chave para o comércio mundial".

Alguns dos protagonistas no ramo de armazéns já garantiram terras no vale do Lehigh. A Walmart tem dois grandes complexos de armazéns em Bethlehem. A FedEx está construindo uma de suas maiores centrais de operações terrestres nos Estados Unidos, na área, e a UPS, outra empresa de entregas, inaugurou um novo centro de distribuição perto da fronteira entre a Pensilvânia e Nova Jersey, no ano passado, para lidar com o imenso volume de tráfego que flui do leste da Pensilvânia.

EMPREGO

O boom dos armazéns criou procura aparentemente interminável por repositores, embaladores e selecionadores, e transformou a cidade em ímã para pessoas em busca de uma segunda oportunidade.

Omar Pellot é uma dessas pessoas.

Ele deixou o Bronx, onde nasceu, porque parecia que Nova York não tinha mais empregos a oferecer a pessoas com o tipo de currículo peculiar que ele tem.

Pellot diz que começou a traficar drogas aos oito anos de idade, orientado pelo pai, "um traficante de drogas que se tornou viciado". Na adolescência, foi preso diversas vezes, e serviu um ano de sentença na penitenciária (adulta) da ilha Rikers aos 17 anos. Depois daquela sentença, se tornou difícil encontrar emprego em Nova York, e por isso ele se mudou para a Flórida, e por fim para o vale do Lehigh, onde o mercado de trabalho era "espetacular", segundo o que ouviu dizer.

Ele conseguiu emprego na Amazon quase imediatamente. Quando a empresa perguntou sobre seus antecedentes, ele disse que "expliquei a eles - disse que [aquilo aconteceu quando] eu era jovem, inocente e estúpido".
Ele está trabalhando há um ano como apanhador de produtos nas vastas fileiras de estantes do armazém —Pellot diz que costuma caminhar cerca de 16 quilômetros por noite, e recebeu dois aumentos que elevaram seu salário a US$ 14,30 por hora. Ele passou no teste para se tornar operador de empilhadeira, e seu objetivo futuro é se tornar supervisor.

Hoje com 38 anos, ele passou a infância pensando que "a vida de rua faria de mim um homem", diz, "mas é trabalhar duro que faz de mim um homem".

Os turnos de trabalho nos armazéns podem ser longos, e o trabalho entediante e exaustivo, mas, para pessoas como Pellot, isso é uma aposta melhor do que qualquer outra coisa disponível no leste da Pensilvânia. O trabalhador médio de um armazém na área ganha US$ 14,46 por hora, ante US$ 12,67 para os trabalhadores do varejo e US$ 10,85 para os garçons.

"A opinião convencional é a de que empregos no varejo são melhores e que perdê-los faz mal à economia", disse Don Cunningham, presidente da Lehigh Valley Economic Development Corp., que promove o desenvolvimento da região. "A realidade é que os empregos nos centros de distribuição pagam melhor e oferecem mais oportunidade em longo prazo".

ROBÔS

A enervante questão que pesa sobre Bethlehem é quando exatamente os robôs vão estragar a festa. Em um centro de distribuição do Walmart, que ocupa terreno tão grande quanto o de um estádio de beisebol profissional, máquinas começaram a executar algumas das tarefas envolvidas em levar aos compradores os produtos adquiridos —em prazo de 24 horas, contado do clique de confirmação da compra.

Caixas são levadas por uma correia transportadora para o lado de fora do edifício, e pequenas máquinas conhecidos como "sapatos" as acompanham para empurrar cada caixa ao duto de saída que a conduzirá ao caminhão a que está destinada.

Máquinas cúbicas percorrem trilhos afixados às estantes, apanham caixas e as depositam em correias transportadoras. Não há acidentes nessas rotas - antes que duas caixas colidam, uma combinação de sensores e software detém uma delas e permite que a outra passe.

Mas por enquanto os seres humanos continuam necessários, e em número cada vez maior.

"Ainda há muitas coisas, mesmo que não sejam feitas manualmente, que precisam da ajuda de mão de obra humana", disse David Tarnosky, gerente geral do armazém do Walmart. A empresa começou o ano com 1,1 mil trabalhadores no local, um total que havia dobrado até outubro.

"Não vamos parar de contratar até o pico do movimento do ano", disse Tarnosky. A esta altura do ano que vem, ele terá contratado centenas de trabalhadores adicionais.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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