Folha de S. Paulo


Revisão de regras sobre trabalho escravo pode prejudicar exportador

As mudanças em torno da definição de trabalho escravo no Brasil podem ter impactos sobre as exportações, segundo sinalizaram representantes da União Europeia (UE) e do setor empresarial brasileiro.

Na segunda-feira (16), uma portaria alterou a definição de trabalho escravo, os critérios de autuação e a forma de divulgação da chamada "lista suja" com o nome dos envolvidos nesse tipo de crime.

"Não podemos aceitar a importação de produtos feitos sob condições de escravidão", disse à Folha a finlandesa Heidi Hautala, deputada no Parlamento Europeu, braço Legislativo da UE. Ela é ligada ao Partido Verde.

Para Hautala, a decisão do governo brasileiro ainda pode criar "obstáculo" às negociações do acordo de livre comercio entre UE e o Mercosul.

Exportações do Brasil para a União Europeia - De janeiro a setembro, em US$ bilhões

BLOCOS

No momento, os blocos estão alinhando parte das propostas. Cotas para carne e etanol estão entre os produtos em destaque.

Rascunhos do acordo que circulam –em discussões conduzidas há anos, sem consenso– mencionam o fim do trabalho escravo.

Outros tratados de comércio com a UE foram congelados no passado por esse tipo de preocupação. Por exemplo, houve resistência à indústria têxtil do Uzbequistão.

O Parlamento Europeu tem se preocupado com essa questão. Em outubro de 2016, pediu o endurecimento das regras para a identificação de trabalho escravo. Exportações precisariam de uma certificação de que respeitam determinados parâmetros, incluindo a ausência de trabalho escravo.

Mudanças específicas de lei devem passar primeiro pela Comissão Europeia, braço Executivo do bloco.

Procurado pela reportagem da Folha, o órgão não comentou se já estuda medidas contra o Brasil devido às mudanças nas regras. Mas a Comissão afirmou que o respeito a direitos trabalhistas básicos é essencial para sua política comercial.

O Executivo europeu disse também que as questões de política social no Brasil serão discutidas durante as tratativas para o eventual acordo de livre comércio entre o bloco e o Mercosul.

Cerca de 20% das exportações brasileiras tem como destino países europeus. Praticamente metade da pauta é composta por matérias-primas. Muitas já foram alvo de denúncias de trabalho escravo no passado.

Na avaliação de José Augusto de Castro, da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) ainda é cedo para ter uma visão mais clara sobre os efeitos das mudanças sobre o setor externo. Na avaliação dele, o fato de o comércio de matérias-primas ser concentrado em grandes empresas pode reduzir um eventual impacto negativo.

No entanto, ele lembra que, no âmbito do comércio internacional, ter o nome inserido na lista suja do trabalho escravo pode afetar a imagem do exportador e, em alguns casos, ser usado como moeda para baratear preços.

Ele vê com especial ressalva a decisão de se colocar a divulgação da lista com os nomes dos autuados nas mãos do ministro do Trabalho. É uma questão que acende a luz amarela porque politiza o tema.

"A lista seria mais política do que técnica e isso poderia gerar dúvidas ao abrir espaço para se optar por incluir ou excluir informações", diz.

EUA

Em reação ao afrouxamento na definição de trabalho escravo no Brasil, a Customs and Border Protection, a autoridade alfandegária dos EUA, disse em nota à Folha que continua "comprometida com a prevenção à importação de mercadoria produzida com trabalho forçado".

O comunicado acrescenta que a agência vai "continuar a acionar seus parceiros para verificar como a mudança afeta a cadeia de insumos associada a mercadorias produzidas no Brasil" e lembra que aceita denúncias contra condições de trabalho análogas à escravidão pela internet.

Leis americanas em vigor desde a década de 1930 proíbem a "importação de mercadoria extraída, produzida ou fabricada em qualquer país estrangeiro com o uso de trabalho forçado" e que essas mercadorias estão "sujeitas a apreensão e exclusão" e ainda podem ser alvo de investigação da Justiça do país.

O governo dos EUA ainda oferece recompensa de US$ 250 mil, cerca de R$ 800 mil, a delatores com informações que possam levar à apreensão de mercadorias ilegais ou empresas que submetem trabalhadores a regimes de escravidão ou trabalho forçado.

Colaborou FLAVIA LIMA, de São Paulo, e SILAS MARTÍ, de Nova York


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