Folha de S. Paulo


Governo pode descumprir regra da lei que limita sua emissão de dívidas

Os sucessivos rombos nas contas públicas e o forte cortes nos investimentos podem levar o governo a descumprir a partir de 2018 uma regra prevista na Constituição e que configura crime de responsabilidade do presidente da República.

A chamada "regra de ouro" proíbe a União de emitir dívida em um volume superior às despesas de capital, como investimentos.

O objetivo é evitar que o Estado se endivide demais para pagar despesas correntes, como gasto com pessoal e conta de luz, empurrando a conta para outros governos.

Esse risco aumentou com o agravamento da situação fiscal. De um lado, o governo tem emitido mais títulos para financiar despesas. De outro lado, foi obrigado a cortar drasticamente os investimentos públicos, uma das poucas despesas que pode manejar sem mudanças na legislação.

Nos 12 meses encerrados no mês passado, a emissão de dívidas superou os investimentos em R$ 7 bilhões.

Neste ano, a situação será resolvida com o retorno de R$ 50 bilhões do BNDES aos cofres do Tesouro –$ 33 bilhões nesta quinta-feira (28), e o restante até dezembro.

Mas em 2018 esse descompasso alcançará os R$ 184 bilhões, de acordo com o Tesouro, que passará a divulgar esses dados mensalmente a partir desta quinta.

Sem uma devolução mais substancial de recursos do banco no ano que vem –o pedido é por R$ 130 bilhões adicionais, o que ainda está em negociação– não há solução para o problema, afirmou a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi.

"Hoje não temos plano B. A discussão é em torno da necessidade do cumprimento de uma regra constitucional."

De acordo com ela, além dos R$ 130 bilhões de devolução que estão sendo negociados com o banco, uma parte dos R$ 50 bilhões que vão voltar ao Tesouro até dezembro poderá ser usada para resolver o problema de 2018.

Além disso, a secretária afirmou que "um crescimento mais robusto do que o imaginado da economia" pode ajudar na parte das receitas.

Na avaliação de Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, o quadro pode se agravar ainda mais nos próximos anos, o que reforça a pressão por reformas que reduzam os gastos obrigatórios do governo, como Previdência, despesas com pessoal e subsídios.

Em 2019, segundo ele, a regra corre o risco de ser descumprida em R$ 200 bilhões, e há data de validade para que soluções temporárias, como devoluções pelo BNDES ou receitas com concessões, amenizem a situação.

"Ou enfrentamos esse problema, e negociamos com a sociedade onde fazer ajustes, ou a máquina pública para."

DEFICIT

Dados de agosto divulgados pelo Tesouro ilustram a gravidade do quadro fiscal.

A despeito de um crescimento da receita líquida de 19,7% em relação ao mesmo mês de 2016, alta impulsionada pela devolução de precatórios não sacados e receita com o Refis, o deficit totalizou R$ 9,6 bilhões.

O número veio melhor que o esperado pelo mercado, que projetou resultado negativo acima de R$ 15 bilhões, mas, no ano, o rombo é de R$ 85,8 bilhões, pior resultado da série iniciada em 1997.

No acumulado em 12 meses, o deficit é de R$ 172,8 bilhões, acima da meta fiscal, de R$ 159 bilhões.

O Tesouro alega que o rombo em 12 meses está inflado, porque o governo antecipou o pagamento de precatórios. Sem esse efeito, esse deficit estaria em R$ 154,7 bilhões.

O Tesouro informou que as mudanças no Refis reduzirão a receita em cerca de R$ 5 bilhões, com a arrecadação caindo para R$ 3,8 bilhões. O prejuízo em parte, será compensado pela receita extra de R$ 4,4 bilhões dos leilões das usinas da Cemig e de blocos de petróleo.


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