Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Todos alardeiam bolha do bitcoin, mas ninguém aposta contra

Ethan Miller/AFP
Estande de bitcoins na CES, feira em Las Vegas
Estande de bitcoins na CES, feira em Las Vegas

Há muita gente hoje que acredita que a vertiginosa ascensão no valor do bitcoin —alta de 643% nos últimos 12 meses e de mais de 4.000% nos últimos cinco anos —representa a maior bolha parabólica da era moderna, e que essa bolha está pronta para estourar, súbita e violentamente.

Ao mesmo tempo, quase nenhum desses céticos com relação às criptomoedas é imprudente a ponto de seguir na prática o que sua retórica dita, e apostar contra o valor do bitcoin. Isso acontece porque tentar adivinhar o momento de virada de um mercado é imprudente, especialmente quando você está apostando contra uma bolha.

Como observou certa vez o administrador de fundos de hedge David Einhorn, "um preço absurdo, multiplicado por dois, não é duas vezes mais absurdo; continua a ser apenas absurdo" —em outras palavras, só porque o valor de um ativo se distanciou da realidade, não significa que não possamos dobrá-lo ou quadriplicá-lo de novo antes que o dia do acerto de contas enfim venha a chegar.

Assim, como apostar contra o bitcoin sem assumir o risco de sofrer perdas paralisantes se o momento da aposta for inapropriado? A moeda digital não só é volátil e ilíquida como encontrar uma contraparte respeitável disposta a assumir a ponta oposta da transação é difícil.

Uma solução alternativa interessante foi proposta por Andrew Left, cuja especialidade são as vendas a descoberto. Ele colocou na mira o Grayscale Bitcoin Investment Trust, um veículo de investimento com cotas negociadas em bolsa nos Estados Unidos, e que detém mais de 170 mil bitcoins.

A capitalização de mercado do Bitcoin Investment Trust é de US$ 1,45 bilhão, hoje, um valor 90% mais alto do que os bitcoins que o fundo detém. O ágio sobre o valor líquido dos ativos recua a 70% se os investidores incluírem no cálculo o valor de suas posições em "bitcoin cash", uma moeda derivada recentemente emitida para os detentores da moeda original.

Esse imenso ágio de valor é impossível de justificar, mesmo que levemos em conta o valor de novidade de um fundo que permite que os investidores façam contato com o bitcoin no mercado de ações.

Isso cria uma oportunidade de risco mais baixo para os céticos quanto ao bitcoin. Podem vender a descoberto cotas no fundo e ao mesmo tempo adquirir valor correspondente em bitcoins como hedge, caso a avaliação das cotas do fundo suba ainda mais. E estarão posicionados para lucrar se o mercado enfim decidir que o imenso ágio com que as cotas do fundo são negociadas atualmente, em relação ao valor das moedas subjacentes, não faz sentido algum.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

MILES JOHNSON é colunista do "Financial Times"


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