Folha de S. Paulo


Grandes empresas de tecnologia têm fortes avanços às nossas custas

Gerard Julien/AFP
Esta foto de arquivo realizada em 09 de outubro de 2015 mostra uma tela de computador exibindo a página do Facebook com as novas opções de
Tela de PC com ícones do Facebook; empresa aposta em dados para monetizar

Nas últimas semanas, vem crescendo a pressão para que os políticos e autoridades regulatórias restrinjam o poder monopolista das grandes empresas de tecnologia. Em discurso feito em Washington no dia 12 de setembro, Maureen Ohlhausen, presidente interina da FTC (Comissão Federal do Comércio americana), tentou esfriar a situação.

"Dados os claros benefícios que a inovação propelida pela tecnologia cria para o consumidor", ela disse, "estou preocupada com a campanha pela adoção de uma abordagem que desconsiderará os benefícios ao consumidor em favor de outros objetivos, talvez conflitantes".

As palavras dela ecoam a política antitruste adotada pelos Estados Unidos nos 10 últimos anos: se as empresas promovem queda nos preços ao consumidor, podem ser tão grandes e poderosas quanto quiserem, política e economicamente. Isso favorece imensamente empresas como Google, Facebook e Amazon, que oferecem produtos e serviços, tais como buscas on-line e plataformas de editoração, não só por preço baixo, mas gratuitamente.

Mas Ohlhausen está desconsiderando um ponto crucial: grátis não é grátis se considerarmos que esses serviços não estão sendo pagos em dinheiro, mas em dados, que incluem todo tipo de informação, do número de cartão de crédito de um consumidor ao seu histórico de compras, opções políticas e registros médicos. Qual é o valor desses dados pessoais?

É uma questão de crescente interesse para todos, de economistas a artistas. Por exemplo, no Datenmarkt, uma mistura de instalação artística e mercearia criada em Hamburgo em 2014, uma lata de frutas estava à venda por cinco fotos de Facebook; um pacote de torradas por oito "likes"; e assim por diante.

O resumo é que é quase impossível estipular um preço exato para os dados pessoais, em parte porque as pessoas têm comportamentos e ideias muito variáveis sobre o quanto estão dispostas a fornecer dados, a depender de como as ofertas sejam apresentadas. Em um estudo recente, quando consumidores foram questionados diretamente sobre se consentiriam em ser rastreados por uma empresa de mídia digital conhecida, em troca de receberem publicidade mais "útil", 80% deles responderam que não. Outro estudo, publicado neste ano pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e pela Universidade Stanford, demonstra que incentivos pateticamente pequenos bastam para convencer uma pessoa a entregar toda sua lista de contatos de e-mail. Os alunos participantes do estudo se mostravam muito mais dispostos a fazê-lo quando lhes era oferecida uma pizza grátis.

Seria possível argumentar que isso é simplesmente o mercado funcionando como deveria. Foi oferecida uma escolha aos consumidores, e eles a fizeram. E determinar se essa foi uma boa ou má escolha é algo que não nos cabe julgar.

Mas como o segundo estudo também demonstrou, empresas podem convencer usuários a entregar dados com mais facilidade se lhes disserem que os dados estarão protegidos por tecnologia projetada para "impedir que todos os olhos curiosos, de governos a provedores de acesso à Internet... vejam o conteúdo de suas mensagens". Na verdade, a tecnologia criptográfica em questão não teria como garantir que isso aconteça.

INFORMAÇÕES E DINHEIRO

Em suma, o big data distorce o jogo decisivamente em favor dos grandes protagonistas digitais. Eles podem extrair informações e plantar sugestões que nos levarão a decisões inteiramente diferentes, e que resultarão em lucros muito maiores para eles.

Isso não só é poder demais para que uma companhia detenha como também distorce o mercado e prejudica a competição, no sentido de que as regras básicas do capitalismo tais quais as conhecemos estão sendo derrubadas. Não existe acesso igual às informações de mercado, nesse cenário. E certamente não existe transparência de preço.

Os dados pessoais que fornecemos com tanta facilidade estão sendo suntuosamente monetizados pelas empresas mais ricas do planeta. A margem de lucro operacional do Facebook no segundo trimestre foi de 47,2%, por exemplo.

Eles recebem seu material bruto (nossos dados) mais ou menos de graça e, em seguida, cobram anunciantes e varejistas por seu uso, e estes últimos repassam os custos a nós, de uma maneira ou de outra —um dólar a mais por aquela taça de vinho no bistrô que você encontrou em uma busca on-line, por exemplo.

Essas empresas têm licença para imprimir dinheiro, sem muitas das restrições que incidem sobre outros setores, em termos de responsabilidades legais de toda espécie.

As companhias em questão são nem tanto inovadoras e mais "mercadores de atenção", para tomar de empréstimo o termo cunhado por Tim Wu, professor de Direito na Universidade Colúmbia. Os economistas ainda não estimaram com exatidão seu efeito líquido sobre o crescimento da produtividade e do PIB (Produto Interno Bruto). Mas qualquer cômputo teria de incluir os custos de competição, à medida que essas companhias devoram concorrentes e remodelam a economia do século 21 da forma que mais lhes convenha.

O que quer que a FTC possa dizer agora, existem cada vez mais casos judiciais que poderiam resultar em mudança nas regras básicas para as grandes empresas de tecnologia. Embora as leis antitruste dos Estados Unidos se baseiem em interpretações muito literais da Lei Sherman, de 1890, os legisladores da Europa adotam abordagem mais ampla. Eles estão tentando avaliar de que maneira múltiplos jogadores no ecossistema econômico estão sendo afetados pelos gigantes digitais.

Começo a imaginar se não deveríamos todos ter o direito mais explícito de não só controlar como nossos dados são usados, mas de usufruir do valor econômico que seja gerado por eles. Quando a riqueza está principalmente na propriedade intelectual, é difícil imaginar de que outra maneira a matemática poderia funcionar.

Estamos vivendo em um admirável mundo novo, com uma moeda inteiramente nova. Será necessário pensar criativamente —em termos econômicos, legais e políticos— para garantir que tenhamos uma sociedade na qual todos os espólios não caibam aos vitoriosos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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