Folha de S. Paulo


Criticada por ambientalistas, venda de terras para estrangeiros volta à tona

Criticada por uma série de entidades ambientais e de direitos humanos, a proposta que prevê ampliar as possibilidades de venda de terras para estrangeiros deve ser votada pela Câmara neste ano.

Pelo menos essa é a previsão da SRB (Sociedade Rural Brasileira), que em 2016 apresentou recurso contra uma liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendia um parecer do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo que liberava no Estado a compra de imóveis rurais por empresas brasileiras de capital estrangeiro.

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Se o projeto for aprovado como pretendem os ruralistas, será possível a estrangeiros comprar até 100 mil hectares de terra (equivalente a 140 mil campos de futebol), além de arrendar mais 100 mil.

A titularidade de terras a estrangeiros é, normalmente, limitada a apenas três módulos rurais -cuja área varia em cada região do país- ou a até cem, mas com autorização do governo.

Há, segundo o Incra, alguns vetos, como para estrangeiro não residente no país e pessoa jurídica não autorizada a funcionar no Brasil.

Segundo a decisão do STF, São Paulo deveria seguir entendimento de 2010 da AGU (Advocacia-Geral da União) que veta a aquisição de grandes propriedades rurais no país por investidor estrangeiro.

"Pelas discussões que temos, acreditamos que vá ser votado [na Câmara] antes do final deste ano. O que achamos importante é que voltemos a ter essa legislação que tínhamos antes do parecer da AGU", disse o presidente da SRB, Marcelo Vieira.

Segundo ele, a medida é importante para o agronegócio brasileiro e o maior interesse é atrair capital estrangeiro para investir no país.

"O Brasil é um dos melhores locais para investir em produção de alimentos no mundo hoje. É importante que investidores estrangeiros possam investir em empresas brasileira sujeitos à nossa legislação trabalhista e ambiental. Não é comprar terra e fazer o que quiser."

Vieira disse ainda que, por isso, a soberania brasileira não é de maneira alguma ameaçada e, se houver maior demanda por terra, isso vai valorizar o ativo dos agricultores brasileiros.

CRÍTICAS

A proposta, no entanto, é amplamente questionada por ONGs ambientais, indígenas e de direitos humanos.

Em maio, elas anunciaram a criação de uma coalizão contra "retrocessos ruralistas". Entre os receios, estão justamente o temor de perda de soberania e eventual abandono de terras por compradores internacionais.

Entre as entidades está o ISA (Instituto Socioambiental), que diz ter recebido com surpresa a discussão sobre o assunto e que a considera uma medida de desespero para buscar recursos durante a atual crise econômica.

"Ficamos bem surpresos com o surgimento dessa discussão agora, num momento em que o país está economicamente detonado. Parece que a gente está se dispondo a vender para terceiros ativos importantes sem uma discussão mais aprofundada sobre estratégia de futuro para o país", disse Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA.

Ele afirmou que a proposta prevê a venda de forma indiscriminada e que isso gera uma contradição em relação à bancada ruralista.

"A bancada ruralista endossa essa proposta, ao mesmo tempo em que faz um discurso de criminalização em cima das ONGs, como se elas fossem agentes de uma conspiração internacional para internacionalizar o Brasil e, de repente, querem vender o território", disse Santilli.

Numa carta aberta das entidades sobre o que consideram os principais retrocessos, são citados os dois projetos que permitem a venda de terras para estrangeiros (2.289/2007 e 4.059/2012).

O projeto 4.059 tramita na Câmara faz cinco anos. Há dois anos, o deputado e hoje ministro (Esporte) Leonardo Picciani (PMDB-RJ) teve aprovado requerimento que pedia urgência.

MINISTRO

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é favorável à possibilidade de venda de terras para estrangeiros, por entender que aumentaria a possibilidade de financiamentos.

Na avaliação dele, a propriedade é o que menos importa, pois ela está no país e "não vai embora". O que importa é o uso que se dará à terra.

Para Blairo, é preciso que sejam adotadas restrições para culturas como soja e milho, para proteger a economia, caso estrangeiros desistam de produzi-las em algum ano devido a preços baixos no mercado global.

Além dos projetos em tramitação na Câmara, o setor vê como caminhos possíveis a reversão do parecer da AGU e a análise do parecer no STF.

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PORTEIRAS ABERTAS
O que pode mudar na venda de terra a estrangeiro

Como é hoje?

³ Estrangeiro não residente e pessoa jurídica estrangeira não autorizada a operar no país não podem comprar ou arrendar terras

³ Pessoa jurídica brasileira que tenha maioria do capital social nas mãos de estrangeiros deve pedir autorização ao Incra para adquirir ou arrendar, assim como estrangeiro não residente ou empresa estrangeira com sede no exterior que participe de empresa brasileira

³ A compra ou arrendamento de áreas de até três módulos rurais (varia conforme a região) independe de autorização do Incra; para uma segunda área, é preciso autorização

Prós (na visão de produtores rurais)

³ Atrairá capital estrangeiro para investir no país

³ Ampliará financiamentos no campo, pois a terra poderá ser usada como garantia

³ Valorizará a terra devido ao aumento da demanda

Como pode ficar?

³ Estrangeiros poderão comprar até 100 mil hectares de propriedade rural no Brasil, além de poderem arrendar outros 100 mil hectares

³ Veta a compra, ainda que sob a forma indireta, por ONGs com atuação no país que tenham sede no exterior ou estabelecidas no Brasil cujo orçamento anual seja proveniente, na sua maior parte, de uma mesma pessoa física estrangeira ou empresa com sede no exterior

³ Restrições não se aplicam às pessoas jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras

Contras (na visão das ONGs)

³ Uso da terra como forma de buscar recursos em meio à crise

³ Ameaça à soberania do país

³ Risco de crimes ambientais e promoção do caos fundiário

Fonte: Incra, Sociedade Rural Brasileira e ISA Instituto Socioambiental


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