Folha de S. Paulo


Agronegócio exigirá mais a cabeça e menos o corpo do trabalhador rural

A agricultura vai contra a maré nesta crise econômica e política do país e é o setor que mais contrata mão de obra. Por ora, boa parte dessas contratações exige pouca qualificação, principalmente se considerados os empregos dentro da porteira.

Uma verdadeira revolução, porém, vem ocorrendo no campo e vai exigir cada vez mais uma mão de obra qualificada. Um dos grandes gargalos da agricultura moderna no país é a qualificação dos trabalhadores do campo.
Parte da mão de obra mais qualificada já atua nos centros urbanos e não é medida pelo Caged (pesquisa nacional de emprego com carteira assinada).

AGRONEGÓCIO SUSTENTÁVEL
Setor contorna crise com novas tecnologias

Mato Grosso, carro-chefe da produção de grãos e da pecuária, mostra um pouco a necessidade dessa mudança da qualificação. Pelo menos 53% dos analfabetos do Estado estão no campo e apenas 4% dos trabalhadores rurais têm curso superior completo.

De outro lado, o setor de agronegócio tem no Estado um dos principais investimentos em formação de mão de obra e de preparo de trabalhadores rurais para a mudança de geração no campo, que já começa a ocorrer.
O processo de decisão fica cada vez mais complexo e exige mais dos produtores.

"Os trabalhadores têm de deixar para trás o processo apenas subjetivo para adotar um perfil mais técnico e estatístico", diz Otavio Celidonio, superintendente do Senar-MT (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de MT).

Eles devem acrescentar à visão atual, apenas agronômica, a perspectiva do analista de dados. A nova exigência traz dificuldade ao profissional que tem formação básica, segundo Celidonio.

"Hoje não se pode dizer que o emprego é da lavoura ou da pecuária, mas é do agronegócio", diz Daniel Latorraca, presidente do Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária) e coordenador do AgriHub, uma rede de inovação em agricultura e pecuária.

Além de entender do plantio e do cultivo, o trabalhador do campo terá de ser um estatístico especializado em banco de dados, diz ele.

Para Alex Foessel, da John Deere, essa necessidade é latente porque as máquinas de hoje passam a ser colhedoras de dados e, muitas vezes, exigem tomadas de decisões imediatas, com base nas informações geradas em tempo real pelos equipamentos.

TRANSIÇÃO TRANQUILA

Para Ricardo Inamasu, pesquisador da Embrapa, existe a dificuldade de adaptação pelos trabalhadores à essa nova fase da agricultura, mas será uma transição tranquila.

A chegada do computador há algumas décadas trouxe dificuldades de adaptação aos trabalhadores, mas hoje uma criança de dois anos está conectada e interagindo com celulares. "A máquina vai se adaptar ao homem."

Para Inamasu, a automação é um processo e ela vem para aumentar a capacidade de produção do homem.

O trabalhador do campo estará inserido em uma agricultura mais competitiva e que poderá retirar boa parte das incertezas e dos riscos da atividade. "O trabalhador agrícola do futuro estará inserido, em boa parte, nos centros urbanos e fará um esforço maior com a cabeça do que com o corpo", diz ele.

NATUREZA

As máquinas serão operadas remotamente, mas nada substitui o contato direto com a natureza, afirma Inamasu. "Não haverá fronteira entre o rural e o urbano."

Para Mateus Barros, da The Climate Corporation, divisão da Monsanto, a nova realidade vai exigir uma gestão profissional dos trabalhadores. Todos os dados estarão em um único lugar, e o trabalhador deverá fazer as correlações. "E isso é só o começo."

Para Latorraca, a agricultura sai da "revolução verde" para a era digital. Nesse novo modelo não haverá mais espaço para trabalhadores com baixa instrução. Uma das exigências mínimas de um operador de máquinas será a leitura de tablets instalados nos equipamentos.

Parece uma passagem difícil, mas a sucessão familiar, que já está em curso, vai permitir isso, acrescenta ele.

Especialistas entendem que, resolvidos os problemas de conectividade -internet, transmissões de dados etc.-, boa parte de trabalhadores da cidade retornará para o campo.

A supersafra agrícola é um dos responsáveis pelo saldo de contratações de 126 mil trabalhadores formais no campo até julho. Um dos reflexos da safra recorde de grãos é que há um saldo positivo de contratações de 12,7 mil tratoristas e de 1.612 operadores de colheitadeiras.

Um dos destaques é o de contratações na produção de frutas, com 24,7 mil postos criados. São Paulo lidera com oito cidades entre as que mais contratam no setor.

Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBr, diz que o aumento nas contratações em São Paulo se deve à grande safra de laranja, que deve crescer 49% ante 2016.

A citricultura é atualmente a maior geradora de empregos nas lavouras paulistas: um trabalhador em cada oito hectares, afirma Netto.

Petrolina (PE) também está na lista das maiores contratadoras de mão de obra no setor de frutas. Flavio Diniz, gerente-executivo do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, atribui o aumento a mudanças nas variedades de uva e de manga.

No caso da uva, há uma troca das variedades atuais por outras mais resistentes a chuvas. Com isso, a produção dessa fruta deverá ser ampliada para dez meses por ano.

Na manga também há uma troca de variedade, o que tem exigido mais mão de obra nessa implementação.

Editoria de arte/Folhapress

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