Folha de S. Paulo


OPINIÃO

A influência perturbadora do Google sobre centros de estudo

Stephen Lam - 13.nov.2015/Reuters
Sede do Google em Mountain View, nos Estados Unidos
Sede do Google em Mountain View, nos Estados Unidos

A primeira coisa que você vê ao entrar no escritório da New America Foundation é o Eric Schmidt Ideas Lab, um espaço que leva o nome do presidente do conselho da Alphabet, a empresa que controla o Google. A fundação de Schmidt e de sua família é a principal fonte de verbas para o centro de estudo.

Em 30 de agosto, Anne-Marie Slaughter, a presidente da New America, divulgou um comunicado afirmando que Barry Lynn, um dos dos mais conhecidos pesquisadores da instituição, havia sido demitido por "sua reiterada recusa de aderir aos padrões de transparência e coleguismo institucional".

Qual foi o ato terrível e perigoso que Lynn cometeu? Escreveu um artigo para o site da New America no qual expressa apoio à multa de US$ 2,7 bilhões imposta pela União Europeia ao Google por violações das leis antitruste, em junho.

O post se enquadrava perfeitamente ao trabalho na iniciativa Open Markets [Mercados Abertos], que ele comanda, e vem sendo uma das vozes mais fortes em Washington em favor de fiscalização mais forte quanto a violações antitruste na economia dos Estados Unidos. Foi essa a plataforma que Lynn, Matt Stoler e Lina Khan usaram para apelar por escrutínio regulatório de monopólios tecnológicos como os do Google, Amazon e Facebook, à medida que essas empresas adquiriam domínio cada vez maior sobre a nossa economia.

Mas o poder financeiro do Google sobre a New America é aparentemente tão grande que a empresa conseguiu forçar o fim das atividades do grupo. Ainda que Slaughter negue a conexão entre o financiamento do Google à fundação e a decisão que ela tomou, a implicação parece clara. Uma empresa cujo lema um dia foi "não seja mau" não tem interesse em ser classificada como monopólio por um centro de pesquisa que ela banca.

Em seu livro "Zero to One", Peter Thiel, investidor no setor de tecnologia, afirma que empresas como o Google mentem para se proteger. "Elas sabem que caso se vangloriem sobre seus grandes monopólios, correm o risco de auditorias, investigações e ataques. Porque querem muito que seus lucros continuem inalterados, tendem a fazer o que podem para esconder seus monopólios —em geral ao exagerar o poderio de seus concorrentes (inexistentes)", ele explica. Há provas de que esses exageros são propalados por numerosos pesquisadores e centros de estudo cujo trabalho é bancado pelo Google. De acordo com uma reportagem investigativa que o "Wall Street Journal" publicou em 2017, "ao longo dos 10 últimos anos, o Google ajudou a financiar centenas de pesquisas para se defender contra desafios regulatórios ao seu domínio de mercado, pagando entre US$ 5 mil e US$ 400 mil por projeto individual de pesquisa".

Mas como descobriu a organização sem fins lucrativos Consumer Watchdog em fevereiro de 2009 ao investigar a maneira pela qual o Google administra a privacidade dos dados de consumidores, as verbas do Google vêm acompanhadas por restrições. Como aponta a organização em seu site, Bob Boorstin, o diretor de comunicações sobre política pública do Google, escreveu à Rose Foundation (uma das grandes financiadoras da Consumer Watchdog) reclamando da organização e solicitando que a fundação considerasse "se não há grupos melhores aos quais dedicar sua confiança e recursos". Boorstin mais tarde pediu desculpas por seus esforços para tentar paralisar um crítico do Google, mas não existem provas de que o emprego desse tipo de tática tenha sido descontinuado.

A reportagem do "Wall Street Journal" constatou que, de 2009 para cá, o Google financiou diretamente uma centena de estudos acadêmicos por pesquisadores individuais e uma centena de pesquisas publicadas por institutos que recebem verbas da empresa. Os estudos foram levados em conta por comitês legislativos norte-americanos e por agências regulatórias encarregadas de fiscalizar as operações da empresa, como a Comissão Federal do Comércio (FTC).

O lema "não seja mau" que o Google adotou dava a entender que a empresa conferia valor à transparência. No entanto, a dimensão de sua influência não é nem um pouco transparente. Mas é ocasionalmente exposta ao público, como quando a infame lista de prepostos do Google foi revelada durante um processo aberto pela Oracle. O Google foi forçado a revelar sobre as verbas consideráveis que doa a organizações importantes como a Public Knowledge, Electronic Frontier Foundation e Computer and Communications Industry Association.

Assim, quando essas organizações supostamente neutras interferem em questões que envolvem o Google, as posições que elas defendem precisam se encaradas com cautela. Nos próximos meses, projetos de lei de defesa da privacidade, como o apresentado pela deputada federal Martha Blackburn, republicana do Tennessee, e modificações na cláusula de porto seguro da Lei Milênio de proteção de direitos autorais, como a proposta pelo senador Rob Portman, republicano do Ohio, serão votados no Congresso. O Google não quer a aprovação de nenhuma dessas medidas, e é certo que estudos conduzidos por centros de estudo conhecidas serão parte do debate político.

Talvez mais importante, a discussão que começa a acontecer, nas duas pontas do espectro político, sobre o tamanho exagerado de empresas como o Google e a Amazon deve prosseguir. O papel dos centros de estudo nesse debate será importante. E não precisamos de ainda mais prepostos do Google.

*Jonathan Taplin é diretor emérito do Laboratório Annenberg de Inovação, na Universidade do Sul da Califórnia, e autor de "Move Fast and Break Things: How Facebook, Google and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy" [aja rápido e destrua coisas: como Facebook, Google e Amazon encurralaram a cultura e solaparam a democracia].

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: