Folha de S. Paulo


Aneel aprova edital de leilão de usinas da Cemig em setembro; caso vai ao STF

Cemig/Divulgação
Usina de Jaguara, localizada no Rio Grande, em Rifânia (MG)
Usina de Jaguara, localizada no Rio Grande, em Rifânia (MG)

A diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou nesta terça-feira (8) o edital de um leilão para concessão de quatro hidrelétricas da Cemig, a estatal de energia de Minas Gerais. A licitação depende ainda de decisões judiciais e do TCU (Tribunal de Contas da União).

O governo pretende arrecadar até R$ 11 bilhões de reais com a cobrança de bônus de outorga na licitação. O leilão está previsto para setembro.

A realização do leilão é questionada pela Cemig. As usinas de São Simão, Jaguara, Miranda e Volta Grande representam 50% da geração de energia da estatal mineira. "É uma parcela importantíssima, significa a sobrevivência saudável da empresa", afirmou à Folha o presidente da Cemig, Bernardo Alvarenga.

No entendimento da Cemig, o contrato de concessão das usinas, de 1997, dá direito a uma renovação automática por 20 anos, o que se aplicaria às três primeiras hidrelétricas —Volta Grande já foi renovada e venceu novamente neste ano.

A AGU (Advocacia-Geral da União) argumenta, porém, que o governo tem a palavra final sobre renovar ou não a concessão. O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para o dia 22 de agosto uma decisão sobre a permanência das usinas com a Cemig.

"Gostaríamos que fosse entendido que nós temos um contrato que nos dá direitos que estão assegurados. E seria interessante preservar isso pela própria segurança jurídica do país. Isso não é um bom exemplo", diz Alvarenga.

PROPOSTA

A Cemig tenta negociar com o governo federal para seguir com a concessão das usinas. A proposta prevê um consórcio com duração de 30 ou 50 anos, com pagamento de R$ 6,5 bilhões ou R$ 9,5 bilhões respectivamente. No primeiro caso, a estatal teria 55% do consórcio e, no segundo, 33%.

A conta considera que a Cemig tem direito a 20 anos de concessão em três usinas, descontando o tempo já decorrido. No caso de Jaguara, cuja concessão venceu em 2013 e foi mantida até agora por decisões liminares na Justiça, restariam 16 anos de exploração.

O governo, no entanto, rejeitou a ideia e conta com a receita do leilão para abater o deficit previsto de R$ 139 bilhões para 2017. Para Alvarenga, usar o leilão para tapar o Orçamento é uma "perversidade", pois o leilão representa "um pingo d'água no oceano".

Como contraproposta, o governo federal ofereceu uma indenização de R$ 1,03 bilhão à Cemig.

"Mesmo que o governo possa desconsiderar o que está no contrato com a Cemig, não resta dúvida de que ele teria que indenizar. Reconhecendo isso, ele fixou R$ 1 bilhão unilateralmente, mas isso não é suficiente", afirma Onofre Batista, advogado-geral de Minas Gerais.

Uma frente formada em defesa da Cemig, que conta com deputados estaduais e federais, foi a Brasília nesta terça para conversar com o ministro do STF Dias Toffoli sobre a questão. O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), também participou.

A frente, coordenada pelo deputado estadual Rogério Correia (PT), pediu a Toffoli que marque uma audiência de conciliação para obrigar uma negociação formal com o governo. "Com oposição, situação, empresários e trabalhadores, a reunião representou uma unidade grande e saímos animados no sentido de que ele pode buscar uma alternativa", disse Correia.

Para aumentar a pressão, o deputado federal Fábio Ramalho (PMDB-MG), vai propor à bancada mineira, em reunião nesta quarta-feira (9), que os parlamentares não votem com o governo até que haja a negociação.

Os parlamentares se encontraram ainda com o ministro Aroldo Cedraz, do TCU. A Cemig também questionou a realização do leilão na corte e a decisão está prevista para quarta.

"Questionamos no TCU que o governo federal esteja se financiando às custas do consumidor com esse modelo de leilão adotado. A empresa que pagar os R$ 11 bilhões vai repassar a conta para o consumidor, e o governo satisfaz a sua necessidade de caixa imediata", diz Batista.

Para a AGU, a manutenção da concessão da Cemig é que implica "efetivo prejuízo para a necessária redução de tarifas para os usuários de energia elétrica". Isso porque renovações feitas a partir de 2012 em outras usinas impuseram tarifas menores.

Para a AGU, a manutenção da concessão da Cemig é que implica "efetivo prejuízo para a necessária redução de tarifas para os usuários de energia elétrica". Isso porque renovações feitas a partir de 2012 em outras usinas impuseram tarifas menores.

Das hidrelétricas oferecidas na licitação, a usina São Simão, com 1,7 gigawatt em capacidade, tem outorga de R$ 6,74 bilhões; a usina de Jaguara, com 424 megawatts, de R$ 1,9 bilhão. Na usina Miranda, a outorga será de R$ 1,1 bilhão, enquanto em Volta Grande o valor é de R$ 1,29 bilhão.

Com uma dívida na ordem de R$ 15 bilhões, a Cemig traçou um plano de desinvestimento e negociação com bancos. Até 2018, pretende vender de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões em ativos.

PARA ENTENDER

A renovação da concessão das usinas hidrelétricas de São Simão, Jaguara e Miranda, vencidas respectivamente em 2015, 2013 e 2016, se tornou alvo de disputa judicial entre a Cemig, estatal mineira de energia, e a União há cinco anos.

Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff (PT) editou a Medida Provisória 579, que dava às empresas a chance de renovar por 30 anos concessões que venceriam nos anos seguintes, mas com piores condições.

As concessionárias seriam remuneradas somente pela sua operação e manutenção, o que representou redução de receitas e da tarifa de energia.

Entendendo que seu contrato de concessão, firmado em 1997, garantia renovação automática por 20 anos para as três usinas em questão, a Cemig não aderiu à MP e buscou manter na Justiça a sua exploração com regras mais vantajosas.

A legislação, contudo, previa que as usinas não renovadas pela MP seriam licitadas a outras empresas, o que o governo busca fazer neste ano para tentar equilibrar as contas. O leilão das hidrelétricas renderia R$ 11 bilhões à União.

"Cabe registrar que foi regularmente oportunizada à empresa a aceitação das novas condições introduzidas pela Medida Provisória 579/2012. Contudo, houve recusa na adesão ao novo modelo, o que conduziu o poder concedente à inequívoca conclusão de que o contrato de concessão não seria prorrogado", afirma a AGU (Advocacia-Geral da União).

A AGU defende ainda que a renovação pleiteada pela Cemig "não configura direito adquirido", ao contrário, "sempre se tratou de mera expectativa de direito". "As cláusulas regulamentares do contrato de concessão induvidosamente podem ser alteradas unilateralmente pelo poder concedente", afirma o órgão.

Para o presidente da Cemig, Bernardo Alvarenga, essa interpretação é "surpreendente". "Ou seja, eu posso te desapropriar e, se você achar que está levando prejuízo, deve procurar seus direitos. Isso nós não concordamos porque entendemos que temos esse direito e não queremos simplesmente ser ressarcidos", diz.

Alvarenga afirma que existe um arsenal de ações na Justiça que discutem a concessão das três usinas. "É um risco para qualquer empresário entrar nesse leilão e saber que tem essa quantidade de ações na Justiça. E os empresários, nacionais e internacionais, estarão amanhã sujeitos a uma desapropriação igual a essa da Cemig. Que segurança jurídica nós temos no país em relação a isso?", questiona.

A estatal mineira busca uma solução negociada e de consenso com o governo federal. As propostas, no entanto, foram rejeitadas até agora. "Um eventual acordo seria vulnerável à contestação por outras partes interessadas e por órgãos de controle, o que o torna não recomendável", diz a AGU.


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