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opinião

Nova taxa de juros dá transparência ao BNDES

Rafael Andrade/Folhapress
BNDES deixou de emprestar R$ 25 bilhões em 2016 em infraestrutura
BNDES deixou de emprestar R$ 25 bilhões em 2016 em infraestrutura

A medida provisória 777, que altera as regras para concessão de crédito pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), tem sido objeto de imensa controvérsia. Argumenta-se que resultará em juros mais altos, redução de investimentos e eliminação de subsídios.

Esse argumento nos parece equivocado. O maior mérito da proposta é garantir transparência ao subsídio concedido pela sociedade para os investimentos privados financiados pelo BNDES. Se haverá ou não aumento do custo dos programas com financiamento público, será uma decisão do Congresso na deliberação do Orçamento.

A MP 777 trata da remuneração, por parte do BNDES, de suas principais fontes de financiamento, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e a dívida do banco com o Tesouro Nacional.

Essas fontes são remuneradas pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), hoje em 7% ao ano, bem menos do que a taxa de juros de mercado ou a paga pelo governo na sua dívida.

Com a proposta, elas passarão a ser remuneradas pela Taxa de Longo Prazo (TLP), que seguirá a taxa de juros paga pelo Tesouro nos seus títulos de cinco anos indexados ao IPCA. A MP prevê um prazo de cinco anos de convergência para as novas regras.

Atualmente, os empréstimos do BNDES são subsidiados de diversas formas.

Primeiro, com o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), o governo financiou empréstimos do BNDES com taxas de juros para o tomador final ainda mais baixas do que a TJLP -muitas vezes mais baixas que a inflação. A diferença entre o custo financeiro dos empréstimos do PSI e a TJLP equivale a subsídios concedidos a empresas privadas e transita no Orçamento.

Outras formas de concessão de subsídios, porém, nem mesmo transitam pelo Orçamento público. O FAT recebe recursos arrecadados compulsoriamente da sociedade, uma parte sendo destinada ao pagamento do seguro-desemprego e outra emprestada ao BNDES. Como o fundo recebe esses recursos de volta corrigidos pela TJLP, bem menor do que a taxa de juros de mercado, isso significa que ele subsidia o BNDES.

Nos últimos anos, os recursos do FAT foram insuficientes para pagar o seguro-desemprego, tendo sido necessário que o governo transferisse recursos para o fundo. Com a MP 777, o dinheiro poderia ser investido em títulos públicos do governo, o que permitiria uma remuneração bastante superior aos 7% da TJLP, protegendo os recursos e seus beneficiários -no caso do FAT, por exemplo, trabalhadores desempregados.

Além disso, há alguns anos o governo emprestou recursos para o BNDES cobrando TJLP. Para obter esse dinheiro, porém, o Tesouro emitiu dívida pagando taxas de juros bem mais altas. Isso significa que o governo aumentou a sua dívida junto ao público, por um lado, e seu ativo, por outro, com o crédito concedido ao BNDES. Como a taxa de juros paga pela dívida pública é maior do que a que será recebida pelo crédito, essa operação tem impacto na evolução da dívida pública.

A diferença entre o custo do Tesouro para obter recursos e a taxa de juros cobrada nos empréstimos do governo para o setor privado é denominada subsídio implícito.

MAIS SUBSÍDIOS

O total de subsídios para atividades produtivas vai muito além do crédito concedido pelo BNDES. Existem diversos programas para atividades produtivas e desenvolvimento regional, além do financiamento de bens e serviços, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Minha Casa, Minha Vida.

A pouca transparência dessa concessão de benefícios públicos resultou na dificuldade do próprio governo em estimar os valores envolvidos, que começaram a ser sistematizados apenas recentemente.

Em 2016, os subsídios totais pagos pelo governo, que incluem, mas não se restringem ao BNDES, foram de quase

R$ 115 bilhões. Desse total, apenas R$ 37 bilhões foram explícitos, constando do Orçamento da União, e R$ 78 bilhões foram implícitos, resultando no crescimento da dívida pública. Do total de subsídios, R$ 58 bilhões decorreram de operações envolvendo a TJLP e o crédito do BNDES.

Segundo o Ministério da Fazenda, o maior percentual de subsídios implícitos tem como causa principal as operações do governo com o BNDES, seguida por fundos constitucionais regionais e pelo Fies.

Entre 2008 e 2016, o valor total dos benefícios financeiros e creditícios concedidos pelo governo ultrapassou R$ 565 bilhões, corrigidos pela inflação. Além disso, a dívida pública aumentou em mais de R$ 400 bilhões entre 2008 e 2014 para viabilizar os novos empréstimos para o BNDES.

O desembolso total do Tesouro para conceder benefícios financeiros e creditícios, somados os empréstimos para o BNDES, chegou a cerca de R$ 1 trilhão de 2008 a 2016. Do total, perto de R$ 600 bilhões foram destinados ao BNDES.

Pode-se argumentar que ao menos os empréstimos ao BNDES serão pagos e retornarão ao Tesouro. Por outro lado, muitos créditos concedidos às empresas nesse período ainda estão por ser pagos.

Isso significa que foram concedidos subsídios entre 2008 e 2016, transferência de recursos para o setor privado que não serão devolvidos ao governo, e que ainda não impactaram as contas públicas. Segundo o Tesouro, o valor dos subsídios concedidos pelo BNDES nesse período chega a R$ 323 bilhões, sem incluir subsídios decorrentes dos recursos do FAT e do FMM.

TRANSPARÊNCIA

A principal contribuição da MP 777 é garantir a transparência na concessão da maior parte desses subsídios. Em princípio, o governo vai passar a receber pelos recursos alocados ao BNDES exatamente quanto esses recursos lhe custam no mercado. Caso a sociedade deseje conceder subsídios para alguma modalidade de empréstimo, os valores correspondentes deverão ser destacados no Orçamento anual da União e transferidos ao BNDES. Dessa forma, esses subsídios passarão a ter a transparência de outras políticas públicas, como o Bolsa Família, os gastos com a Previdência e os gastos com saúde e educação.

Os críticos da reforma, porém, defendem um tratamento especial das empresas beneficiadas pelo BNDES, com recursos carimbados que não deveriam transitar pelo Orçamento público e não precisariam da aprovação do Congresso Nacional.

Além de ir na contramão da deliberação democrática sobre as prioridades do Orçamento público, essa política se revelou ineficaz. A expressiva expansão dos créditos subsidiados do BNDES não resultou em aumento do investimento e da geração de empregos. Ao contrário, o que se observou a partir de 2011 foi a progressiva queda do investimento privado e o agravamento da crise fiscal. Além disso, os créditos subsidiados foram concedidos pelo BNDES sem metas claras de desempenho e avaliação independente e transparente dos resultados.

Com a reforma, o jogo muda. Em vez de recursos carimbados concedidos automaticamente, quem defende a concessão de crédito subsidiado para algum investimento específico deverá participar do jogo democrático e justificar a transferência de recursos públicos para benefício de empresas privadas, de preferência especificando os benefícios esperados. Caberá ao Congresso deliberar sobre sua concessão. Além disso, a sociedade poderá avaliar se o resultado correspondeu ao esperado e compensou o benefício concedido.

No Brasil da meia-entrada, cada grupo de interesse beneficiado com recursos arrecadados compulsoriamente da sociedade se julga merecedor dos benefícios que recebe e rejeita ser submetido à deliberação democrática das decisões orçamentárias.

São frequentes os argumentos genéricos para garantir benefícios particulares. Alguns, por exemplo, afirmam que os créditos concedidos pelo BNDES resultam na geração de empregos, na arrecadação de impostos e no pagamento de dividendos pelo BNDES, mais do que compensando os subsídios concedidos. Seria bom que demonstrassem os seus argumentos.

A reforma proposta permitirá que o façam caso desejem continuar a receber recursos públicos para beneficiar seus negócios privados.

MARCOS LISBOA é economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

VINICIUS CARRASCO é economista e ex-diretor da área de Planejamento e Pesquisa do BNDES


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