Folha de S. Paulo


Problemas do Google, multado pela UE, podem estar só no começo

Eric Gaillard/Reuters
União Europeia vai reforçar a pressão antitruste sobre o Google no mês que vem
O Google foi multado em € 2,4 bilhões pela União Europeia

A multa de € 2,4 bilhões da União Europeia mal afeta o caixa do Google, mas esse valor pode se provar apenas uma fração do custo imposto pela demanda do bloco de que empresa pare de distorcer resultados de busca em favor de seu site de compras.

Isso porque a empresa não só enfrenta a perspectiva de queda da receita publicitária, mas também outros serviços (como os de mapas e resenhas de restaurantes) podem entrar a seguir nas punições das autoridades europeias.

Com US$ 90 bilhões em caixa, a principal preocupação da empresa americana passa a ser a maneira pela qual as autoridades regulatórias ordenaram que ela mudasse sua forma de conduzir buscas de comércio on-line, uma de suas principais fontes de crescimento, e arma contra rivais como o Facebook e a Amazon.

O gigante das buscas terá "a espada de Dâmocles pendendo sobre sua cabeça", disse Jay Modrall, advogado do escritório Norton Rose Fullbright, em Bruxelas. Agora, fazer ou não mudanças para responder às preocupações da União Europeia deixou de ser escolha da empresa. Ela passará a operar "sob a obrigação legal de realizá-las, e está notificada de que, se suas ações para tanto forem insuficientes, sofrerá novas multas".

POR TRÁS DO ALGORITMOComo o serviço do Google prejudica os concorrentes, de acordo com a Comissão Europeia

A decisão de Margrethe Vestager, comissária de Defesa da Competição da União Europeia, marca o final de uma investigação de sete anos gerada por queixas de pequenos sites de compras e de alguns grandes nomes, entre os quais News Corp, Axel Springer e Microsoft. Os políticos europeus apelaram à União Europeia por multas ou até uma cisão forçada do Google, enquanto críticos norte-americanos das autoridades europeias rebateram afirmando que elas estavam perseguindo as companhias dos Estados Unidos por conta de seu sucesso.

A divisão Google da Alphabet precisa "abandonar sua conduta ilegal" e oferecer tratamento igual a serviços rivais de comparação de preços, de acordo com uma ordem da Comissão Europeia. Cabe ao Google resolver como fazê-lo, e informar à União Europeia sobre seus planos em prazo de 60 dias.

Vestager deu ao Google um ultimato de 90 dias para que o serviço comece a oferecer tratamento igual a sites de comparação de preços de menor porte que concorrem com os anúncios do Google Shopping, postados ao lado dos retornos de busca quando as pessoas buscam produtos. A União Europeia também vai fiscalizar o Google por cinco anos e poderá forçar a empresa a pagar multas de valor equivalente a até 5% de seu faturamento diário caso ela não cumpra a ordem.

As autoridades regulatórias estão tentando evitar a repetição de uma complicada batalha regulatória que travaram contra a Microsoft, que demorou a implementar mudanças rígidas impostas pela União Europeia. Elas deliberadamente adotaram diretrizes "muito abstratas" sobre como obter o tratamento igual que o Google foi ordenado a oferecer a serviços menores de compras, disse Nicolas Petit, professor de Direito na Universidade de Liège.

Kent Walker, advogado do Google, afirmou que a empresa discorda respeitosamente das conclusões da União Europeia e que vai considerar um recurso, de acordo com um post de blog.

"Quando você faz compras online, quer encontrar os produtos que está procurando de maneira rápida e fácil", disse Walker. "E os anunciantes desejam promover esses mesmos produtos. É por isso que o Google exibe anúncios de varejo, conectando nossos usuários a milhares de anunciantes, grandes e pequenos, de maneiras úteis aos dois lados. Acreditamos que nossos resultados de busca atuais sejam úteis e uma versão muito melhor dos anúncios contendo apenas texto que exibíamos uma década atrás".

O Google vem promovendo o seu serviço de comparação de preços desde 2008, e coloca seus resultados em destaque sistematicamente quando as pessoas estão procurando alguma coisa, segundo a União Europeia. Os sites rivais de comparação de preços em geral só aparecem na quarta página de resultados de busca, o que na prática lhes nega uma audiência de massa, já que a primeira página de retornos atrai 95% dos cliques.

"Como resultado das práticas ilegais do Google, o tráfego no serviço de comparação de preços do Google aumentou significativamente, e os rivais sofreram perdas substanciais de tráfego, e de forma duradoura", afirmou a União Europeia, mencionando dados que apontam um aumento de 45% no tráfego do serviço do Google.

"A parcialidade é escancarada, hoje", disse Shivaun Raff, do Foundem, um site britânico de comparação de preços que ajudou a disparar o inquérito da União Europeia, com uma queixa sobre sua posição nos resultados de busca do Google. "Faça qualquer busca sobre viagens e você quase sempre verá o Google surgir acima dos demais serviços".

Vestager disse que a União Europeia também pode estudar de mais perto o comportamento do Google nos serviços de mapas, viagens e resenhas de restaurantes, que também causaram queixas às autoridades regulatórias.

As multas da terça-feira podem ser apenas as primeiras em um série de penalidades antitruste da União Europeia contra o Google, que está enfrentando os europeus em pelo menos mais duas frentes –o sistema operacional Android, para celulares, e o serviço de publicidade online AdSense. A decisão se segue a uma multa de US$ 7,8 milhões imposta pelas autoridades antitruste da Rússia e a penalidades impostas pelas autoridades de defesa da privacidade na Alemanha, França e Itália.

A Europa vem se provando uma jurisdição difícil para o Google, que foi derrotado no mais alto tribunal europeu em um caso importante quanto ao direito dos cidadãos de verem seus nomes excluídos de resultados de buscas, três anos atrás.

Embora o montante da multa seja recorde, isso pouco afetará uma empresa cuja controladora tem mais de US$ 90 bilhões em caixa. Mais preocupante é a maneira pela qual as autoridades regulatórias ordenaram que o Google mudasse sua forma de conduzir buscas de comércio online, uma de suas principais fontes de crescimento, e arma contra rivais como o Facebook e a Amazon.

As acusações da União Europeia vão ao cerne de uma forma de publicidade online conhecida como "anúncios de lista de produtos", ou PLA, que vem crescendo em ritmo quase três vezes mais forte que os anúncios de texto vinculados a buscas convencionais, de acordo com a Merkle, uma companhia de marketing digital. O formato permite que o anunciante coloque um anúncio para um produto ou serviço acompanhado por grandes imagens e informação de preço, na porção mais visível da tela, o topo da lista de retornos.

A decisão de Vestager contra o Google acarreta o risco de novas críticas de que ela está perseguindo companhias norte-americanas. Embora a comissária tenha afirmado que as empresas norte-americanas "não estão sob ataque por sua nacionalidade", as tensões transatlânticas já estão em alta, depois da decisão do presidente Donald Trump de abandonar o acordo de Paris sobre o clima, o que agrava as preocupações quanto ao comércio mundial.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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