Folha de S. Paulo


Venezuela vira menor mercado para o Brasil na América do Sul

Carlos Garcia Rawlins/Reuters
Manifestantes durante marcha de protesto contra o governo do presidente venezuelano Nicolas Maduro em Caracas, na Venezuela
Manifestantes durante marcha de protesto contra o governo do presidente Nicolas Maduro em Caracas, na Venezuela

A Venezuela transformou-se no menor mercado para o Brasil dentre os países da América do Sul. Imerso numa profunda crise econômica, o país cortou drasticamente a importação de produtos e o Brasil foi um dos mais afetados.

Trata-se agora de um destino menos relevante que Equador e Bolívia, países com população mais diminuta e que nunca chegaram perto do volume de encomendas já feito pela Venezuela, que, mesmo após quatro anos seguidos de recessão, é o terceiro maior PIB da região -atrás só de Brasil e Argentina.

No auge, em 2012, o mercado venezuelano chegou a absorver US$ 1,9 bilhão em bens brasileiros -levando em consideração o período de janeiro a maio. Era o segundo maior destino na região e o oitavo no mundo -hoje não está nem os 50 primeiros.

O resultado amargo das vendas para o país de Nicolás Maduro em 2017 contrasta com o desempenho da exportação brasileira neste ano.

Os embarques para Venezuela caíram 57% de janeiro a maio em relação ao mesmo período de 2016. No total, as vendas do Brasil para o mundo subiram 20%.

A debacle do comércio bilateral com a Venezuela não ocorreu de uma hora para outra. Este é o quinto ano consecutivo de queda nos embarques. Na comparação com 2012, o declínio é de 91%.

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS - Para a Venezuela de jan. a mai., em US$ bilhões

Reclamações de atraso nos pagamentos de exportações por empresários brasileiros ocorriam já há muitos anos e foram se intensificando à medida que a crise se acirrou. Aos poucos, empresas começaram simplesmente a desistir de vender para a Venezuela.

Produtos como gado, carne bovina e milho deixaram de ser enviados. Agora, encabeçam a lista de exportações bens como carne de galinha e leite integral, mas em volumes bem menores.

Segundo Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV, os brasileiros foram um dos últimos a sentir os efeitos do colapso.

"Até o impeachment de Dilma Rousseff, o país era visto com bons olhos, como amigo. As empresas brasileiras nunca sofreram privatizações arbitrárias, por exemplo."

Stuenkel, que acompanha a crise venezuelana de perto, diz que é quase inviável para uma empresa manter exportações ao país hoje sem ter acesso privilegiado ao alto escalão do governo Maduro.

A insegurança fez com que muitas companhias passassem a condicionar as vendas ao pagamento à vista, diz.

Para o ministro da Indústria, Marcos Pereira, o potencial venezuelano é grande e, tão logo haja sinais de retomada no país, as exportações devem se recuperar.

"Superadas as questões internas, as empresas brasileiras, certamente, terão interesse em retomar as exportações para lá", afirma.

Essa mudança de ventos, porém, ainda deve demorar. As crises política e econômica são de difícil solução e tendem a se arrastar. A estimativa do FMI é que haja retração de 7,4% no PIB venezuelano neste ano e prevê que a economia do país vai continuar a encolher ao menos até 2022.

Além disso, a declarada animosidade entre os governos de Michel Temer e de Maduro cria mais barreiras na negociação de contratos e do pagamento de atrasados. Durante a administração petista, que apoiava o chavismo, o governo atuou em diversas ocasiões para que Caracas liberasse recursos.

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS - Na América do Sul, de jan. a mai.

O governo Michel Temer não só capitaneou os esforços para suspender a Venezuela do Mercosul como tem sido crítico ferrenho do país na OEA (Organização dos Estados Americanos).

OUTROS PARCEIROS

A situação vivida pelo Brasil está longe de ser única entre os principais países exportadores para a Venezuela.

Uma análise nos dados dos seis maiores exportadores para o mercado venezuelano em 2014 mostra que apenas um, o México, aumentou suas vendas neste começo de ano ante igual período de 2016.

A comparação com 2014 é necessária porque o governo Nicolás Maduro, com o agravamento da crise, deixou de publicar periodicamente dados estatísticos, como PIB, inflação e comércio exterior.

Naquele ano (o último com informações disponíveis), EUA, China, Brasil, Colômbia, Argentina e México responderam por dois terços das compras da Venezuela.

Na comparação com o momento atual, esses países foram bastante castigados, especialmente os sul-americanos.

Além da queda de 57% nas vendas brasileiras, a Argentina encolheu em 84% suas exportações para os venezuelanos, e a Colômbia registrou queda de 73% no comércio.

Principal credor de Caracas (em uma relação baseada principalmente em petróleo), a China vendeu 28% menos para o país em relação ao período de janeiro a abril de 2016.

Apesar das notícias de que os venezuelanos têm dado calote na dívida com Pequim, os chineses não diminuíram seu apetite pelo petróleo dos sul-americanos, que hoje são seu sétimo maior fornecedor.

Já os EUA, alvo constante de críticas desde o período de Hugo Chávez (1999-2013), tiveram queda de 15% nas exportações.

O único que sobreviveu incólume foi o México, ainda que tenha elevado o tom recentemente contra Maduro. Sexto maior exportador para a Venezuela em 2014, o país teve aumento de 35% nas vendas.


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