Folha de S. Paulo


Crítica

Sou gay? Análises de pesquisas na web revelam fatos perturbadores

Liu Xu/Xinhua
Pessoas visitam centro de demonstração de 'big data
Pessoas visitam centro de demonstração de 'big data" na cidade de Guiyang, pioneiro sobre o tema na China

Eu sou gay? Meu marido é gay? Minha filha é feia? Quais são as novas piadas com negros? Como matar minha namorada? Como me matar?

Dificilmente alguém faria uma dessas perguntas em voz alta. Mas elas são feitas todos os dias ao serviço de buscas do Google com maior frequência do que se imagina.

Em "Everybody Lies" ("Todos Mentem", ainda sem tradução para o português), o cientista de dados Seth Stephens-Davidowitz vai do anedótico ao perturbador para defender a ideia de que os dados gerados pelo comportamento de bilhões de usuários anônimos na internet –em outras palavras, o "big data"– abre possibilidades de pesquisa revolucionárias no campo das ciências sociais.

Não há nenhuma novidade até aqui.

O interessante do livro são as boas histórias contadas pelo autor para defender seu ponto, principalmente no campo sexual.

Pesquisas tradicionais enfrentam uma enorme dificuldade para obter respostas sinceras. Afinal, ninguém quer dizer a um entrevistador que não transa com a mulher há anos ou que tem fantasias com a própria mãe.

Por outro lado, o histórico de pesquisas de um site de conteúdo pornográfico mostra uma realidade bem diferente (e que deixaria Freud orgulhoso): segundo levantamento do autor, o incesto está entre os temas mais pesquisados tanto por homens quanto por mulheres.

Há também achados previsíveis, como o fato de o pênis ser a parte do corpo mais pesquisada por homens no Google, e outros inesperados, ou nem tanto, como o fato de que metade dos homens que buscam "como fazer sexo oral" na verdade está interessada em saber como fazê-lo em si mesmo, e não na parceira.

POLÍTICA

No campo político, Stephens-Davidowitz também consegue jogar luz sobre fatos interessantes. Ao mapear as buscas nos EUA pela palavra "nigger", a ofensa racial mais abominável da língua inglesa, ele conseguiu prever a vitória do republicano Donald Trump à presidência americana quando todos ainda o consideravam uma piada.

Contrariando o senso comum, pesquisas no Google usando o termo não se limitavam ao sul do país, republicano e conservador. Regiões de inclinação democrata também registravam alto índice de uso da palavra.

Mais do que orientação política ou defesa do porte de armas, são esses dados de buscas os que se correlacionam mais fortemente com a baixa votação de Barack Obama em algumas zonas em 2008 e a vitória de Trump.

Há outros capítulos interessantes, mostrando como anúncios de TV levam pessoas às compras e como pais discriminam os próprios filhos por gênero, mas também há muitas obviedades entre as lições tiradas dessas histórias ("você precisa escolher a variável certa para o que quer analisar", ou "as pessoas mentem no Facebook").

PREPOTÊNCIA

O maior defeito, contudo, é uma certa prepotência de Stephens-Davidowitz que se explicita na conclusão.

O autor defende que o "big data" vai finalmente transformar as ciências sociais em "ciência real", como no campo das exatas. "O próximo Foucault [Michel Foucault, filósofo francês] será um cientista de dados. O próximo Marx [Karl Marx, filósofo alemão] será um cientista de dados", diz.

Não há dúvidas de que o "big data" abre todo um novo horizonte para pesquisa em ciências sociais, mas menosprezar séculos de estudos feitos até aqui é, no mínimo, sinal de arrogância. Os números conseguem comprovar uma teoria ou indicar um caminho, mas não contam toda a história por si só.

A obra vale como um sobrevoo interessante pelo que o "big data" já mostrou, mas está longe de explicar com segurança seus achados ou de servir de manual para quem quiser explorar o campo.

Everybody Lies – Big Data, New Data, and What the Internet Can Tell Us About Who We Really Are
QUANTO: R$ 43,10 (LIVRO DIGITAL; 357 PÁGS.)
AUTOR: SETH STEPHENS-DAVIDOWITZ
EDITORA: DEY STREET BOOKS


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