Folha de S. Paulo


Tuíte de dono da Amazon sugere novo e audacioso rumo para filantropia

Ted S. Warren - 16.jun.2014/Associated Press
FILE - In this June 16, 2014 file photo, Amazon CEO Jeff Bezos walks on stage for the launch of the new Amazon Fire Phone, in Seattle. Amazon.com reports quarterly financial results on Thursday, Oct. 23, 2014. (AP Photo/Ted S. Warren, File) ORG XMIT: NYBZ197
O presidente-executivo da Amazon, Jeff Bezos, em evento da empresa

Jeff Bezos, fundador e presidente-executivo da Amazon, está bem a caminho de se tornar a pessoa mais rica do planeta, com patrimônio líquido da ordem de US$ 80 bilhões. O que fica menos claro é o que ele planeja fazer com a sua fortuna e de que maneira poderia reinventar a filantropia.

Nesta quinta-feira (15), respondendo a perguntas do "New York Times" sobre o montante de suas doações para caridade, Bezos postou no Twitter uma "solicitação de ideias" filantrópicas. "Estou pensando em uma estratégia de filantropia que seja o oposto da maneira pela qual costumo usar meu tempo —ou seja, trabalhando em longo prazo", ele escreveu. "Para a filantropia, o que me atrai mais parece ser o exato oposto: o que se pode fazer imediatamente."

Mencionando um programa para moradores de rua com o qual sua empresa colabora em Seattle, a cidade que abriga a sede da Amazon, Bezos disse que estava procurando ajudar as pessoas "na interseção entre a necessidade urgente e o impacto duradouro", acrescentando que "se você tiver alguma ideia, responda a esta mensagem".

É uma mensagem típica de Bezos —desafiar o conhecimento convencional, buscar a sabedoria do mercado e ao mesmo tempo mencionar os diversos negócios em que ele está envolvido. Mas ela não responde a uma questão que deve se tornar mais frequente, se e quando ele se tornar o homem mais rico do planeta: quais são seus planos para doar sua riqueza, no todo ou em parte?

Tomando por base o seu post no Twitter e conversas com pessoas que conhecem Bezos, ele quer criar um novo caminho para tratar de problemas sociais, em lugar de simplesmente escrever cheques para organizações sem fins lucrativos. O desejo de Bezos de receber sugestões do público e bancar projetos filantrópicos para o "aqui e agora" sugerem um possível direcionamento novo e audacioso para a filantropia.

Bezos também considera que organizações com fins lucrativos podem ser uma forma mais efetiva de resolver certos problemas sociais.

"Em muitos casos, modelos com fins lucrativos geram mais melhora para o mundo do que modelos filantrópicos", ele disse em uma entrevista a Charlie Rose em 2010.

"Sabemos que ele não vem sendo muito receptivo à filantropia tradicional", disse Steve Delfin, um consultor de filantropia que assessora empresas e famílias ricas em Washington. "Meu palpite é que chegará um momento em que ele criará um modelo inovador, ou uma abordagem híbrida. E talvez, como a Amazon, ele realmente venha a fazer melhor".

Bezos, que detém 17% das ações da Amazon, desfrutou do que talvez possa ser descrito como a mais rápida alta de patrimônio pessoal em todos os tempos. Porque o preço das ações da Amazon mais que triplicou de 2015 para cá, o líder da companhia elevou em mais de US$ 50 bilhões o seu patrimônio líquido, que no momento atinge os US$ 84 bilhões, de acordo com o Índice de Bilionários Bloomberg. Ele agora está a menos de US$ 6 bilhões de distância de capturar o título de pessoa mais rica do planeta, ultrapassando Bill Gates, que deteve essa posição em 18 dos últimos 23 anos.

A riqueza de Bezos é prova do crescimento aparentemente inesgotável da Amazon e de seu domínio em ampla variedade de campos, entre os quais o varejo on-line e a computação em nuvem. E ela cria uma nova lenda para a máquina do mito da riqueza americana, estrelada por um jovem de classe média, filho adotivo de um pai nascido em Cuba, que escolheu deixar seu emprego em Wall Street e vender livros on-line da garagem de sua casa, criando uma empresa que hoje vale quase meio trilhão de dólares.

jeff bezos

FILANTROPIA OCULTA

Mas até a quinta-feira, as ideias filantrópicas de Bezos continuavam a ser em geral desconhecidas.

Ele é um dos apenas cinco principais bilionários americanos que não assinaram o Compromisso de Doação proposto por Gates e Warren Buffett, sob o qual as pessoas mais ricas do país deveriam se comprometer a doar pelo menos metade de sua riqueza.

Bezos jamais foi incluído na lista Philanthropy 50, que celebra os 50 maiores doadores dos Estados Unidos e é publicada anualmente pela revista "Chronicle of Philanthropy". De acordo com dados públicos e reportagens, Bezos e sua família até o momento doaram cerca de US$ 100 milhões para organizações de caridade —cerca de 0,1% de sua fortuna.

Ele não criou uma fundação pessoal para realizar doações de caridade, de acordo com bancos de dados que acompanham as organizações sem fins lucrativos. Ainda que seja integrante da Bezos Family Foundation, dirigida por seus pais, Mike e Jackie Bezos, o nome de Bezos não consta do site da organização.

Ele e a mulher, MacKenzie, doaram US$ 15 milhões à Universidade de Princeton, onde ambos estudaram, em 2015. A família Bezos —incluindo Jeff, MacKenzie, seus pais e irmãos— recentemente doou US$ 35 milhões ao Centro Fred Hutchinson de Pesquisa do Câncer, em Seattle. Antes disso, eles haviam feito duas doações, em valor de US$ 30 milhões, à mesma organização. Em 2011, Bezos doou US$ 10 milhões ao Museu de História e Indústria de Seattle.

E no mês passado, Bezos doou US$ 1 milhão ao Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa. Sua aquisição do jornal "Washington Post", por US$ 250 milhões em 2013, foi vista por muitos como uma forma de filantropia —com o uso de sua riqueza para preservar uma importante organização jornalística—, mas o jornal é uma empresa com fins lucrativos.

Bezos afirmou que sua empresa de exploração espacial, a Blue Origin, quer salvar o planeta ao transferir fábricas para o espaço, mas ela também é uma empresa com fins lucrativos.

O fato é que Bezos jamais declarou publicamente o que pretende fazer com sua fortuna, que causas ele pode apoiar ou mesmo se ele pretende doar parte, pequena ou grande, de seu dinheiro.

"A pressão sobre Bezos para que ele doe mais vai crescer caso ele se torne o homem mais rico do mundo", disse David Callahan, fundador e editor do site informativo Inside Philanthropy. "É um pouco surpreendente que ela ainda não tenha aumentado".

Bezos se recusou a comentar para este artigo. Seu convite, postado no Twitter, surgiu depois de repetidas questões do "New York Times", no dia anterior, sobre o montante de suas doações e a falta de informações públicas sobre suas atividades filantrópicas.

O post no Twitter —a única revelação importante até o momento sobre o pensamento de Bezos quanto à filantropia— não revela montantes ou planos para a criação de uma fundação ou uma uma organização sem fins lucrativos, como as criadas por Mark Zuckerberg, do Facebook, e outros bilionários.

Especialistas em organizações sem fins lucrativos e amigos de Bezos dizem que seu foco vem sendo acima de tudo promover o crescimento da Amazon, e que filantropia seria algo a que ele planejava se dedicar mais tarde. Quanto mais riqueza ele criar hoje, maiores poderão ser suas doações no futuro.

É fato que ganhar dinheiro pura e simplesmente jamais foi o objetivo de Bezos. Como muitos dos atuais magnatas da tecnologia, ele disse que sua missão era mudar o mundo e satisfazer os consumidores, e não enriquecer. Em um discurso aos formandos da Universidade de Princeton, em 2010, ele relembrou sua escolha de deixar seu emprego confortável no setor financeiro, em 1994, e correr o risco de tentar vender livros on-line.

"Eu escolhi um caminho menos seguro, para ir atrás da minha paixão", disse Bezos, "e me orgulho dessa escolha."

Ele desfruta de alguns dos confortos que ser bilionário pode propiciar. No fim do ano passado, comprou a casa mais cara já vendida em Washington, quando pagou US$ 23 milhões pela antiga sede do Museu Têxtil, que ele planeja transformar em lar para sua família. Além de sua casa principal, em Seattle, no Estado de Washington, ele também tem uma casa de US$ 24 milhões em Beverly Hills, na Califórnia, e um rancho no Texas. Bezos é um dos maiores proprietários de imóveis nos Estados Unidos, com um total de quase 120 mil hectares em terras.

Mas até o momento Bezos não aderiu aos compromissos de doação que se tornaram populares entre os bilionários modernos. As doações dos Bezos vêm sendo em geral assunto de família, e o papel de Jeff nelas não é fácil de determinar. Especialistas em organizações sem fins lucrativos dizem que a Bezos Family Foundation, embora bancada por ações da Amazon, é comandada principalmente pela mãe de Bezos. A fundação já doou dezenas de milhões de dólares, principalmente para causas relacionadas ao desenvolvimento cerebral das crianças e projetos de educação infantil.

É bastante comum, com certeza, que os ricos optem por cuidar de filantropia mais tarde em suas vidas. Gates costumava ser acusado de falta de interesse filantrópico, antes de se tornar o homem mais rico do mundo, em 1995, com uma fortuna de US$ 12,9 bilhões. Pelo final dos anos 90, ele já havia doado mais de US$ 2 bilhões, por meio fundações que ele criou, com foco na saúde e tecnologia. Em seguida, em 1999, ele acelerou seus esforços filantrópicos ao deixar a presidência executiva da Microsoft e criar a Fundação Bill e Melinda Gates, com dotação de mais de US$ 20 bilhões.

Bezos e a Amazon aceleraram seus esforços filantrópicos nos últimos anos, depois de reportagens críticas na imprensa de Seattle. Uma reportagem do jornal "Seattle Times", em 2012, classificava a empresa como "virtualmente ausente dos esforços filantrópicos em sua cidade-sede", mas de lá para cá a empresa doou milhões de dólares a instituições e causas locais.

Robert Frank é editor de patrimônio da CNBC e autor do livro "Richistan".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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