Folha de S. Paulo


Inclusão digital no celular amplia oportunidade, diz especialista em internet

Bruno Santos/Folhapress
Alexandre Barbosa, na sede do Comitê Gestor da Internet do Brasil
Alexandre Barbosa, na sede do Comitê Gestor da Internet do Brasil

A criação de qualquer novo negócio digital no Brasil depende fundamentalmente de conhecer os padrões de uso da internet por parte dos brasileiros. Esse panorama é revelado anualmente pela pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).

Essa pesquisa mostra que o Brasil nunca esteve tão conectado à internet e, ao mesmo tempo, nunca foram tão distintas as experiências digitais dos brasileiros. Se há uma lição a ser tirada da sua última edição (publicada em 2016) sobre o nível de conexão no país, é esta: não há uma rede única, mas várias, a depender da idade, classe social, gênero e outras características da demografia.

Em entrevista à Folha, Alexandre Barbosa, coordenador executivo e editorial do centro de estudos vinculado Comitê Gestor da Internet do Brasil, destrinchou os números do estudo feito anualmente com o objetivo de tomar a temperatura da vida virtual dos brasileiros.

Segundo ele, já em 2015 o celular se consolidou como o principal instrumento de inclusão digital no país, e os indicadores atualizados mostram que essa curva não será invertida tão cedo —ou sequer se isso vai acontecer em qualquer intervalo de tempo. Mas há desafios, diz: bolsões de desconexão, áreas rurais defasadas e classes mais pobres longe dos padrões das classes A e B.

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Folha - Quais são os fatores que fizeram com que o celular se tornasse a principal porta de entrada à internet no país?
Alexandre Barbosa - A pesquisa mostra que 89% dos usuários da rede utilizam celular. É uma proporção muito alta. Nas classes A e B, é muito mais comum o uso de vários dispositivos. Nos segmentos C, D e E, usa-se mais a internet por smartphone.
Muitas vezes essas pessoas não têm desktop ou tablet, e o celular se torna o único instrumento de inclusão.
Outro ponto relevante é qual tipo de conexão se usa, porque os planos de dados no Brasil ainda são relativamente caros, especialmente para quem tem menor renda. Você verá que nas classes C, D e E há preferência pela conexão Wi-Fi, cuja disponibilidade acaba sendo uma alternativa às redes 3G e 4G.

O celular é um instrumento poderoso de inclusão. Quais os desafios de uma população tão conectada via celular?
Há algumas implicações: por exemplo, no desenvolvimento de habilidades específicas. O indivíduo que acessa a rede pelo celular vai usá-la para postar no Facebook, enviar mensagens por WhatsApp, publicar uma foto ou ver e-mails. Mas não vai produzir conteúdos ou programar. Atividades mais complexas ainda têm limitações no smartphone.
A pesquisa faz estratificação por atividades. Uma das mais relevantes é mandar mensagem por WhatsApp, por Skype ou pelo Messenger do Facebook. Cerca de 85% dos internautas brasileiros fazem isso. A segunda atividade mais comum é o uso de redes sociais, como Facebook, Instagram, Snapchat, embora a gente não separe cada uma delas no estudo.

Pensando em experiências de países como a China, em que um aplicativo permite que os usuários façam de tudo, de jogos a pagamentos, podemos ver um futuro em que o celular vai incluir pessoas num contexto de uso mais sofisticado da internet?
É inevitável. O smartphone de hoje tem uma capacidade enorme. É claro que as funcionalidades podem eventualmente limitar o uso de aplicativos mais sofisticados. Mas a tendência é termos aplicativos e dispositivos que poderão substituir quase integralmente o desktop. Outro dado importante é que há uma mudança radical na frequência de uso da internet. A maioria dos brasileiros usa a rede todos os dias. Essa proporção é de 82%. Para o brasileiro, a internet já é uma necessidade.

O que os brasileiros mais jovens estão fazendo nas redes que os mais velhos não fazem?
O perfil do usuário da internet no Brasil é preponderantemente jovem. Quanto mais jovem o estrato, maior a parcela de pessoas que usa a internet. Quando se olha detidamente as redes sociais, a faixa etária em que o uso é maior é a de 16 a 24 anos: 88%. Na faixa de mais de 60 anos, cai para cerca de metade (56% das pessoas usam as redes).

Embora se costume achar que o mundo está conectado, há levantamentos dando conta de que cerca de metade da população não está na internet. Isso se reflete no Brasil?
A área rural no país ainda é muito desprovida de acesso. Enquanto nós temos 56% dos cidadãos em área urbana com acesso à internet, só 22% dos domicílios na área rural estão conectados. Na segmentação por classes sociais, A e B estão num padrão que se equipara ao europeu. Nas classes D e E, isso cai para 16%. E claro, isso gera bolsões de pessoas excluídas, mesmo numa cidade como São Paulo, que tem conectividade muito elevada.

Embora a internet se estenda pelo mundo, há gente, como o pesquisador e jornalista francês Frédéric Martel, que argumenta que ela é também um fenômeno local. A rede global seria, no fundo, um conjunto de redes locais com as particularidades de cada comunidade. Nesse contexto, quais são as características da internet brasileira?
Nós seguimos a mesma metodologia de pesquisa de outros países para efeito de comparação. Se for à África, por exemplo, você verá que a internet ou mesmo o SMS no celular são importantes para o acesso ao sistema financeiro. O que não é necessariamente verdade para a realidade brasileira -pelo menos da forma que é feita em muitos países africanos. No caso do Brasil, acho que as redes sociais tomaram uma proporção muito grande, incluindo o cidadão na vida política, nos debates democráticos. Aqui nós temos uma internet verdadeiramente social.


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