Folha de S. Paulo


O que falta à indústria brasileira

Pedro Revillion/ Palácio Piratini
Produção da indústria brasileira teve em 2015 pior resultado da série histórica do IBGE
Para Ketter, industrialização contribui para o desenvolvimento do país

Em 2013, quando retornei ao Brasil depois de anos trabalhando no exterior, fiz uma constatação preocupante: a indústria brasileira estava menor e menos diversificada do que fora dez anos antes, quando eu estava no país.

Isso era particularmente visível a mim na cadeia automotiva, à qual me dedico desde os anos 1980, mas intuía que o fenômeno se disseminava por todos os setores.

Alguns números e estudos confirmaram minhas piores suspeitas. A indústria brasileira entrou em declínio e perdeu peso no conjunto da economia. Depois de chegar a responder por cerca de 27% do PIB, sua participação na geração de riquezas reduziu-se a cerca de 10%, nível em que nos encontramos hoje.

Uma longa cadeia de acontecimentos explica este processo: os choques econômicos dos anos 1980, a abertura comercial da década seguinte, câmbio desfavorável e ênfase na exportação de commodities, entre outros.

O resultado foi a antecipação do processo de desindustrialização, através da redução precoce do peso do setor manufatureiro na agregação de valor à economia nacional, antes que seu potencial máximo de geração de riqueza fosse alcançado.

Nos países mais ricos, o acúmulo de riqueza decorrente da produção manufatureira permite investir na educação e na capacitação da população, gerando condições para uma mudança natural de patamar produtivo, com a geração de empregos de maior complexidade intelectual no setor de serviços.

Estudo da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) mostra que, entre os países mais ricos, a desindustrialização aconteceu quando a renda per capita ultrapassou o patamar de US$ 20 mil, havendo transição natural e virtuosa para o setor de serviços impulsionado pela inovação tecnológica.

No Brasil, o processo começou com a renda abaixo de US$ 8 mil. A consequência não é o salto em direção a uma rica era pós-industrial, mas o recuo a uma sociedade pré-industrial dependente da exportação de commodities.

Tenho convicção de que a retomada do crescimento brasileiro depende de um esforço conjunto e contínuo de reindustrialização do país.

É um processo com muitas etapas, que abrange recuperar grandes cadeias produtivas, priorizar a educação e estimular a adoção de novas tecnologias e de sistemas de gestão, além de estimular a instalação de novas indústrias que adensem as cadeias produtivas existentes.

Isso não significa desprezar a relevância do setor primário na economia nacional nem reduzir a importância da expansão e sofisticação do setor de serviços. Trata-se de recuperar a capacidade manufatureira que desenvolvemos com grande custo e direcioná-la para a inserção competitiva do Brasil no cenário econômico mundial.

Recentemente, a indústria automobilística apresentou às autoridades brasileiras uma visão estruturada deste processo, sintetizada no plano "Agenda Automotiva Brasil", com uma visão sobre os pilares necessários para um desenvolvimento sustentável de longo prazo. Um importante diálogo entre os setores privado e público se abre com esta iniciativa.

O momento em que esse diálogo se estabelece é o mais adequado possível, considerando a evolução das reformas institucionais que estão ocorrendo e que tem potencial para constituir uma base sustentável para a retomada do investimento e a aceleração da atividade produtiva.

O novo ciclo econômico de expansão do Brasil será uma obra coletiva, em que governo, empresários e sociedade estarão orientados para uma mesma agenda estratégica.

STEFAN KETTER, 57, é presidente da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) para a América Latina


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