Folha de S. Paulo


Luta livre encara desafio e tenta conquistar público na China

Wang Bin olhou para baixo. Um homem usando um collant azul se retorcia de dor aos seus pés. Wang abriu um sorriso. Aquele era o momento pelo qual tinha esperado havia muito tempo.

O mesmo vale para Cheng Shi. Quando Wang ergueu o homem do piso e o arremessou de novo ao chão, para a contagem final, ele estava realizando o sonho de Cheng, o de assistir no ringue a um lutador de luta livre —o mais americano dos falsos esportes— nascido na China.

"Fico muito empolgado e orgulhoso ao vê-lo no ringue nesta noite, e os torcedores todos sentem a mesma coisa", disse Cheng, 21, universitário que produz vídeos sobre luta livre para o público chinês, antes da luta. Ele apontou para a tela de seu smartphone para mostrar que milhares de pessoas estavam assistindo à sua transmissão ao vivo. "Estamos todos muito, muito empolgados".

Em busca de novos espectadores e novas fontes de renda, a WWE (World Wrestling Entertainment) —empresa que levou Hulk Hogan e Dwayne "The Rock" Johnson às salas de visitas dos americanos— tem ambições grandiosas na China, mas enfrenta um mercado muito mais difícil. Ela criou um novo serviço de transmissão de lutas em chinês. E está vasculhando as províncias da China em busca de novos talentos parrudos como Wang.

A China oferece desafios formidáveis. Nomes famosos do entretenimento como a Netflix e Rupert Murdoch tiveram a população chinesa de 1,4 bilhão de pessoas na mira mas esbarraram nos severos controles do país sobre a mídia. A violência caricatural da luta livre e suas narrativas ocasionalmente lúbricas poderiam atrair atenção indesejada do governo. E embora haja fãs da modalidade no país, a luta livre roteirizada ao estilo norte-americano é desconhecida da maioria dos chineses continentais.

"Não há presença desse tipo de produto aqui", disse John Cena, lutador e astro de filmes de ações famoso pelo queixo proeminente, que aprendeu a falar um pouquinho de chinês como parte da campanha. Ao se familiarizar com o idioma, ele disse, "me torno uma espécie de veículo para impulsionar aquilo que fazemos".

A resposta é buscar talento local —e recorrer à mídia digital. Contornando a TV aberta controlada pelo Estado, a WWE se aliou a uma empresa de vídeo em formato stream para atingir os espectadores por meio de computadores e aparelhos móveis.

A empresa também acelerou os esforços para apresentar o suplex, o drop kick e o throw down [três golpes famosos da luta livre] a um novo público. Ela contratou quatro diretores de mídia social para trabalhar em período integral em Xangai e manter contas em chinês para seus lutadores e executivos. Também está promovendo festas para exibir lutas, como a que realizou em dezembro de 2016 em Guangzhou —servindo pizza e refrigerantes aos espectadores locais, exibindo lutas em pay per view e permitindo que os convidados jogassem o mais recente videogame da WWE para o Xbox.

O sucesso requer expor as audiências da China a um novo tipo de entretenimento —um drama coreografado no qual o resultado é conhecido, embora os perigos e as leões sejam ocasionalmente muito reais.

"Eles jamais viram nada como nós", disse Paul Levesque, o diretor de talentos e eventos ao vivo da WWE, ele mesmo um lutador aposentado mais conhecido pelo seu nome de ringue, Triple H. "O lado atlético é muito real. As histórias e a parte teatral são a parte complicada; eles tiveram dificuldades para identificar a distinção".

Para amigos que não conhecem a luta livre, "o caminho mais curto de explicação é lhes dizer que se trata da versão norte-americana —ou mundial— dos romances de kung fu", disse Jay Li, veterano executivo de empresas multinacionais na China que começou em abril a trabalhar para a WWE, como seu gerente geral para a China. "E as pessoas compreendem na hora, porque sentem uma conexão cultural e formam uma imagem mental do que estamos fazendo".

Embora muita atenção tenha sido dedicada nos últimos anos à expansão de empresas chinesas como a Dalian Wanda a Hollywood, a maior parte das empresas estrangeiras de entretenimento enfrenta dificuldade para conquistar avanços semelhantes na China. Para algumas, como a Disney, penetrar na China envolveu permitir ao Partido Comunista, que governa o país, maior influência sobre seus negócios no país.

O esporte —ou algo parecido com um esporte— pode ser diferente. O esporte conta com apoio temático do governo, que favorece a organização de grandes eventos internacionais como olimpíadas e promove esportes como o futebol. O esforço da China para levar o futebol às escolas e fazer do país uma potência nesse esporte levou empresas a pagar quantias polpudas pelos direitos de transmissão dos campeonatos locais.

"O esporte historicamente é subdesenvolvido na China e on-line, e há muitos interessados em monetizar essa atividade", disse Vivek Couto, fundador e diretor da Media Partners Asia, uma empresa de consultoria e pesquisa.

A luta livre profissional tem necessidade de espectadores. Como outras empresas de mídia, a WWE está lutando para se ajustar a um novo mundo de abandono dos cabos, no qual telespectadores abandonam seus pacotes de TV a cabo e escolhem ao que assistir, programa a programa na internet.

Os telespectadores internacionais oferecem uma potencial área de crescimento. Eles respondem por apenas um quarto dos assinantes pagantes do serviço digital da WWE, que é um dos principais fatores para o lucro da empresa.

Como mostra a China, crescimento internacional nem sempre é fácil. Em outubro, a WWE informou a investidores que está esperando para oferecer assinaturas diretamente aos telespectadores chineses.

Por enquanto, ela está trabalhando com uma empresa chinesa chamada PPTV, que transmite os principais programas semanais da empresa, chamados "SmackDown" e "RAW", com comentários em mandarim em tempo real. (Suplex, caso você não saiba, é traduzido como "deshi beishuai", ou "arremesso de costas em estilo alemão").

As assinaturas da PPTV têm preço inicial de US$ 3 mensais, cerca de um terço do custo do serviço por assinatura da WWE fora da China, e inclui filmes e outros programas.

Muito depende de Wang, o primeiro lutador da WWE vindo da China continental. A equipe de mídia social da empresa trabalha para fazer dele um astro —sua conta verificada na rede de mídia social Weibo recentemente trazia vídeos que o mostravam treinando no grande complexo da WWE em Orlando, Flórida.

Sete outros lutadores da China continental, seis homens e uma mulher, se mudarão para Orlando em janeiro.

Wang, 22, nascido em Anhui, uma província no leste do país, era atleta desde o ginásio, integrante da equipe provincial de remo. Mais tarde se mudou para Xangai e começou a boxear, o que atraiu a atenção de representantes da Federação Inoki Genome, uma grande empresa japonesa de promoção de luta livre e MMA.

Wang passou três anos no Japão antes de chamar a atenção da WWE. Ele assinou um contrato de desenvolvimento de três anos com a companhia norte-americana e começou a treinar em Orlando no terceiro trimestre, para sua estreia na China.

Quando o momento enfim chegou, em Xangai, em setembro, Wang entrou na arena ao som de música chinesa moderna. Cumprimentou a plateia no estilo tradicional do kung fu chinês, premindo o punho direito contra a palma da mão esquerda.

Seu adversário, um lutador chamado Bo Dallas, foi vaiado pela plateia de Xangai antes que Wang o lançasse ao piso e o imobilizasse durante a contagem em sua segunda tentativa.

Wang ainda não tem um personagem ou número definidos, e nem mesmo um nome chamativo. Na luta livre ao estilo WWE é comum que haja vilões estrangeiros, entre os quais personagens como Mr. Fuji, um malvado japonês interpretado por Harry Fujiwara.

Em entrevista, Wang disse que não acreditava muito em apelar a essas imagens nacionalistas.

"As pessoas não deveriam ver os outros por sua nacionalidade ou grupo étnico", ele disse. Isso importa menos do que aquilo que você é capaz de fazer pessoalmente, como guerreiro e figura no ringue".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: