Folha de S. Paulo


Empresário que tenta comprar 'Jornal do Brasil' se reinventou na noite do RJ

Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 22/02/2017; Retrato do empresário Omar Peres, conhecido como Catito Peres em obra da boate Hippopotamus. Alem da boate o empresario comprou o Jornal do Brasil e uma série de lugares históricos do Rio, como a Fiorentina e o Bar Lagoa.( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Empresário Omar Peres, conhecido como Catito Peres, em obra da boate Hippopotamus

Cercado por ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, caciques de diversos partidos políticos e jornalistas, o empresário Omar Peres, 59, empunhou o microfone e teve ali, às 23h de uma terça-feira de fim de verão em Brasília, um aperitivo do poder que tentou conquistar em quatro candidaturas eleitorais, todas derrotadas.

Mineiro de Leopoldina que mudou-se aos 5 anos para o Rio e se considera carioca, Peres, ou Catito, como é conhecido, estava fora de sua praia, mas o deslocamento foi compensado pelo prazer de ser o anfitrião da noite: tendo recém-adquirido o restaurante Piantella, ponto de encontro de autoridades dos três Poderes na capital, ofereceu um jantar para comemorar os 50 anos de jornalismo de Ricardo Noblat, colunista e blogueiro de "O Globo".

Depois de se apresentar, teceu loas ao homenageado e passou o microfone, primeiro ao deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e por fim a Noblat.

Catito estava esfuziante. Pela sua nova casa —administrada por um irmão e uma irmã dele— passaram naquela noite o presidente Michel Temer (PMDB), ministros como Mendonça Filho (Educação, DEM), tucanos como os senadores Aécio Neves e José Serra e esquerdistas como o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

Um dos três ministros do STF presentes —Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso foram os outros—, Marco Aurélio Mello conheceu o empresário na festa, e simpatizou de cara. "Ele chamou a minha atenção porque é um homem que preserva valores sedimentados. Isso é muito importante num país que não tem memória", disse à Folha.

O ministro se referia à faceta atualmente mais célebre de Peres, a de investir em, aspas dele, "símbolos da cultura carioca". É proprietário dos tradicionais La Fiorentina e Bar Lagoa, de uma rede de padarias chiques (Guerin, que de símbolo carioca nada tem) e vai reabrir em breve, em sociedade com Ricardo Amaral, a boate Hippopotamus, um clássico da noite carioca entre os anos 70 e 90 —fechou em 2001.

A dupla, diz Catito, investiu US$ 8 milhões na casa. No novo Hippo (no masculino porque foi e voltará a ser um clube, inspirado no londrino Annabell's, em que só entram sócios e seus convidados), a anuidade vai custar R$ 6.000.

Outro avanço sobre um "símbolo" causou um rebuliço no meio jornalístico: em fevereiro, Peres anunciou ter adquirido, do empresário Nelson Tanure, os direitos de exploração da marca "Jornal do Brasil". Disse que o icônico diário —que ditou rumos no país entre os anos 1950 e 1980 e hoje se restringe a um site sem influência nem repercussão— voltaria a circular em papel e listou até nomes de jornalistas que integrariam a nova Redação.

Mas, como revelou a Folha no último dia 21, a negociação desandou, por oposição do empresário Pedro Grossi, que administra o "JB" para Tanure. Catito diz que continua interessado no negócio, alheio ao fato de que Tanure tem dado o caso por encerrado.

O revés do "JB" mancha a reputação que Peres fixou nos últimos tempos nas altas rodas cariocas, de empresário versátil, capaz de se reinventar como homem da noite após enriquecer recuperando empresas quebradas, especialmente no setor naval.

Mas não surpreende quem conhece sua longa biografia empresarial, que alia jogadas de mestre a trapalhadas, estas em geral movidas por paixão e/ou por apego à imagem.

AS CASAS DE CATITO - Omar Peres no negócio da noite. Em R$ milhões

NOVA YORK

Peres perdeu o pai, político em Leopoldina, num acidente de avião. Sua mãe casou-se com Sylvio Hoffman, jogador de futebol que defendeu a seleção na Copa de 34 e que fundaria o La Fiorentina em 1957.

Em 2000, quando o restaurante estava fechado havia dez anos, Catito comprou e reativou o espaço do Leme, famoso por reunir a boêmia artística carioca e pelas colunas coalhadas de autógrafos.

Foi sua primeira investida na noite. Já havia morado em Nova York, onde estudou administração bancária, trabalhou no Banco Nacional, namorou Andréa Neves, irmã de Aécio, e dividiu apartamento com o ex-ministro das Comunicações Hélio Costa.

De volta ao Brasil, comprou a preço simbólico, no início dos anos 90, a empresa de navegação Netumar, que estava falida. O então herdeiro da empresa, Carlos Leal, hoje não fala com Peres. Procurado, não quis dar entrevista. Amigos em comum dizem que Leal se queixa de uma dívida não paga, o que Peres nega.

Seu primeiro grande lance na indústria naval o credenciou a outro que lhe traria mais dinheiro: a compra, em 1996, do estaleiro Mauá, que também estava quebrado.

"Vi que ia abrir a exploração de petróleo ao capital estrangeiro, e não existe exploração em alto-mar sem estaleiro." Diz ter pago R$ 1 pelos despojos do Mauá e que vendeu o estaleiro, seis anos depois (em 2002), por US$ 30 milhões. Um desafeto calcula que foi pela metade disso.

O comprador foi Germán Efromovich, que viraria principal acionista da companhia aérea Avianca, de quem até hoje é amigo e a quem se associou para construir um hotel "seis estrelas" na avenida Atlântica, no Rio, projetado pela premiada arquiteta iraquiana-britânica Zaha Hadid (1950-2016).

O plano do hotel naufragou —Peres diz que só valia a pena se construíssem até 2015, para aproveitar benefícios dados pela prefeitura graças à Olimpíada—, e o projeto de Hadid foi adaptado para um residencial. Peres conta que comprou a parte do amigo.

Numa festa que Catito deu no réveillon de 2013/2014, quando ainda alimentava a ideia do hotel, os convidados vestiam camisetas com uma caricatura dele e de Efromovich na cabine de comando de um avião da "Geromar Airlines" (Geromar é uma sociedade dos dois), sob a frase: "Pousando na Atlântica com seis estrelas".

O Mauá voltou a quebrar em 2015 e, assim como o Eisa (outro estaleiro de Efromovich, que Peres tentou, sem sucesso, ajudar a recuperar), responde a ações trabalhistas de milhares de trabalhadores demitidos sem indenização. Quem responde por elas é o grupo Synergy, de Efromovich.

JUIZ DE FORA

Em 2003, Omar Peres passou a morar e investir em Juiz de Fora. A experiência durou sete anos e nela o empresário acumulou desafetos e uma parcela considerável das tantas histórias mirabolantes de sua biografia.

Comprou uma emissora da TV Globo e um diário. Qual um Fitzcarraldo da zona da mata mineira, tentou fazer ali um jornal de ponta, o Panorama: levou um time de jornalistas experientes do Rio, de BH e da região, liderado pelo alemão-carioca Fritz Utzeri. Em poucos meses, o jornal mudou de formato, teve deserções e logo passou a ser distribuído gratuitamente. Ao todo durou cinco anos, menos de um sob o projeto original.

"Foi o maior sucesso entre meus fracassos", brinca Peres. Na memória de gente da cidade, foi apenas um fracasso.

Com a TV ele afirma ter feito dinheiro. Vendeu a retransmissora em duas partes, em 2010 e 2012, por um total, diz, de R$ 100 milhões.

Em Juiz de Fora também assumiu um time de futebol, o Tupi, e contratou Romário. E vêm dessa época alguns dos processos e condenações que acumula, especialmente relacionados à sua atuação política.

Três das suas quatro candidaturas derrotadas foram nesse período: a senador, pelo PDT, em 2006 (389,9 mil votos); a prefeito de Juiz de Fora, pelo PV, em 2008 (17,6 mil votos); e a deputado federal, pelo PSL, em 2010 (20,6 mil votos).

Indicado por Brizola ("sempre fui brizolista"), Peres foi secretário estadual de Indústria e Comércio de Minas durante o governo de Itamar Franco (1999-2003).

Define-se como um "capitalista democrático" e se diz um entusiasta da candidatura presidencial de Ciro Gomes.

Já foi amigo de Aécio, com quem disse ter rompido porque o tucano não apoiou sua candidatura ao Senado em 2006.

Entre as ações de indenização por dano moral em que foi condenado, uma foi movida pela empreiteira Queiroz Galvão, que acusou de corrupção e conluio com um politico local ("tenho orgulho de uma condenação assim").

Outra tem como autor um produtor cultural da cidade, Sérgio Evangelista, que se disse ofendido por Peres em um blog que o empresário mantinha. O advogado de Evangelista, Gustavo Vieira, calcula em R$ 100 mil o valor atualizado que seu cliente terá de receber e tenta penhorar bens de Peres —algo difícil, porque o empresário diz transferir todos os seus bens para as suas filhas.

O condenado diz que a ofensa partiu de um comentarista do blog e faz troça da condenação. "Vou oferecer, como penhora, 50 mil litros de cachaça que tenho estocado em minha fazenda. Se ele não beber tudo, vale o dobro do que está pedindo."

ARTISTAS

Alto (1,88 m), bochechas pronunciadas e costeletas bastas, Catito Peres é afável e gentil. É casado pela terceira vez e tem duas filhas, uma de cada um dos primeiros casamentos. O gosto pela festa o aproximou dos artistas que frequentam a Fiorentina —atraídos em parte pelo apoio dado pela casa a espetáculos teatrais.

Num vídeo recente publicado numa rede social, o ator Tonico Pereira, saudou Peres como "visionário", "empresário progressista" e encerrou o depoimento em tom retumbante: "Salve Omar Catito Peres, salve a volta do nosso 'JB'".

Ao que tudo indica, não será pelas mãos de Peres que o "JB" voltará. Mas, por defender que "o que mora na alma não morre", o empresário seguirá na trilha do "capitalismo de símbolos culturais".

Seu próximo alvo é o Canecão, a casa de shows em Botafogo que pertence à UFRJ e está sem atividades. "Comecei a me movimentar e reunir lideranças da cidade para 'obrigar' a universidade a devolver o espaço para a cidade", diz Peres.

Ele aproveitou a noite no Piantella pra tratar do assunto com o ministro da Educação, Mendonça Filho, e com o ministro do STF Marco Aurélio Mello. "Estou finalizando dois projetos e me falta tempo para dedicar à causa. Mas não vou deixar passar."


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