Folha de S. Paulo


Credibilidade da fiscalização do Brasil está em xeque, diz União Europeia

Adriano Vizoni/Folhapress
João Cravinhos, embaixador da União Europeia no Brasil
João Cravinho, embaixador da União Europeia no Brasil

O embaixador da União Europeia no Brasil, João Cravinho, afirma que a credibilidade do sistema de fiscalização brasileiro foi colocado em xeque pela Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que investiga um esquema de pagamento de suborno a fiscais agropecuários para emissão de certificados.

"Queremos evitar uma suspensão da compra de carne brasileira, mas está nas mãos do ministério da Agricultura", disse o diplomata à Folha, ressaltando que aguarda um carta do governo com informações mais detalhadas.

Cravinho está otimista com as perspectivas de um acordo entre Mercosul e União Europeia. Ele diz que o momento político "nunca foi tão favorável" e espera a conclusão das negociações até o fim do ano.

O comissário de para Assuntos de Saúde e Segurança da União Europeia, Vytenis Andriukaitis, disse que estuda medidas mais rigorosas para a importação de carne brasileira. Que tipo de medidas?
João Cravinho - Essa crise apanhou a todos de surpresa. Já reforçamos a verificação na fronteira. Agora estamos checando visualmente tudo que entra e fazendo exames biológicos em 20% dos produtos.
O comissário deixou claro as informações técnicas que precisamos. Estamos aguardando uma carta do ministério da Agricultura sobre o assunto.
Na próxima semana, haverá uma reunião dos 28 países membros da UE sobre saúde animal e o tema também será discutido pelo Parlamento Europeu.
Essa questão estará sob os holofotes em Bruxelas e precisamos de todas as informações para esclarecer as dúvidas. Queremos evitar uma suspensão da compra de carne brasileira, mas está nas mãos do ministério.

O ministério da Agricultura argumenta que os problemas de qualidade estão restritos a poucas plantas frigoríficas. A Europa tem dúvidas sobre a qualidade da carne brasileira?
Nós dependemos inteiramente de confiança num sistema de fiscalização agropecuária que conhecemos no papel e através de visitas pontuais.
Quando há uma investigação da Polícia Federal que diz que a prática não corresponde a teoria, tocam todos os sinos de alarme. Não sabemos se isso é verdade ou falso, mas a credibilidade foi colocada em xeque.
Portanto, precisamos das informações adicionais que permitam restaurar a confiança que foi abalada. Se isso vai acontecer, depende sobretudo do ministério da Agricultura.

OPERAÇÃO CARNE FRACA
PF deflagra ação em grandes frigoríficos

A investigação da PF relevou uma forte promiscuidade na relação entre as empresas e os fiscais agropecuários, inclusive com o pagamento de suborno. Essa questão preocupa a Europa?
Se houve suborno, precisamos saber se é pontual ou sistêmico e se isso gera algum perigo para o consumidor europeu. A princípio, ninguém suborna um fiscal para exportar carne de boa qualidade.
Mas o fundamental para a Europa é que o Brasil tenha um mecanismo de fiscalização que separe as carnes que não estão em condições de serem comercializadas.
Se esse resultado é alcançado de forma pouco ortodoxa, as autoridades brasileiras devem procurar resolver. Mas, para nós, o importante é que o sistema evite que seja exportada para a Europa uma carga sem condições.

A Operação Carne Fraca pode prejudicar o acordo de livre comércio entre Mercosul - União Europeia?
Não. Esse tema não é discutido nesse tipo de negociação, que abrange principalmente cotas e tarifas. Não vai entrar carne sem qualidade na UE, com ou sem acordo.

Na semana passada, negociadores dos dois blocos estiveram reunidos em Buenos Aires. Qual é a sua expectativa para a evolução das conversas?
Estou otimista. Em nenhum momento, desde que começamos a conversar em 1999, houve um quadro tão favorável à conclusão das negociações.
Temos no Brasil e na Argentina governos muito comprometidos com um acordo com a UE, o que não acontecia no passado.
Do lado europeu, a determinação política nunca foi tão grande. Em um momento em que a globalização é colocada em xeque nos Estados Unidos e por movimentos dentro da própria Europa, temos que responder.
Tecnicamente também tivemos avanços significativos nas negociações nos últimos seis meses. Temos um calendário estabelecido para as próximas três reuniões com metas para cada encontro.
Nossa ambição é ter um acordo no final do ano. Há concessões difíceis que terão que ser feitas por nós e pelo Mercosul, mas o ambiente nunca foi tão bom e o trabalho técnico nunca prosseguiu tão bem como agora.

Essas negociações se arrastam há 19 anos. O senhor realmente acredita que o acordo pode ser concluído neste ano?
Creio que todos tem consciência da importância de atingir essa meta agora. Se deixarmos fugir essa janela de oportunidade, não sei quando voltará. Teremos eleições no Brasil no ano que vem, depois na Argentina e em outros países da Europa.

O senhor disse que a determinação política nunca foi tão forte, mas existe apoio popular na Europa em meio a tanto ceticismo com a globalização?
O acordo UE-Mercosul não é tão problemático, porque é uma negociação tradicional para baixar tarifas. É claro que há grupos de interesse que serão afetados dos dois lados, mas as contas mostram que os benefícios são muito maiores que as desvantagens. Compete a nós compensar os grupos que poderão ter um impacto negativo.

Com a vitória de Donald Trump, as negociações para um acordo entre Estados Unidos e Europa foram praticamente paralisadas. Como isso afeta a discussão com o Mercosul?
Não é bom para o mundo que a parceria entre EUA e UE não avance, mas é verdade que, neste momento, facilita para o Mercosul, porque libera boa parte dos nossos recursos que estavam envolvidos nas conversas com os americanos. Também reforça a convicção que a relação com os EUA vai passar por abertura de mercado nos próximos tempos e que Mercosul e UE são parceiros naturais. Logo temos um caminho mais livre.

A economia brasileira está em recessão há dois anos. Como está o interesse dos investidores europeus pelo país?
Os europeus olham para o Brasil com confiança no médio prazo. Dois terços do investimento estrangeiro no Brasil vem da Europa - não é dos Estados Unidos ou da China. Isso não é de hoje, mas histórico.
O investimento europeu no Brasil declinou nos últimos dois anos, mas não foi por falta de confiança. Por conta da desaceleração da economia, as empresas europeias estão com capacidade ociosa em suas fábricas. Quando a economia melhorar, o investimento também vai retomar.


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