No bairro do Umbará, extremo sul de Curitiba e sede de pelo menos cinco frigoríficos, é difícil encontrar quem acredite nas suspeitas da Operação Carne Fraca contra uma das principais empresas da região —o frigorífico Peccin.
"Não existe isso aí; [os donos da empresa] não merecem estar presos", afirma o autônomo Adailton Machnievicz, que trabalhou por dois anos na empresa. "Pegaram ele pra Cristo", diz o comerciante José Luiz Cavichiolo, para quem os equipamentos da fábrica são "coisa de cinema".
Há dez anos em operação, a Peccin foi interditada na última sexta (17) e é suspeita das mais graves irregularidades investigadas pela Polícia Federal —como o uso de carne estragada em embutidos e de conservantes proibidos ou em quantidades acima do permitido.
Ex-funcionários do frigorífico deram depoimento à PF relatando pressão dos donos para enviar laudos de qualidade adulterados à inspeção federal, além de pagamentos de propina a fiscais. Os proprietários, o casal Idair e Nair Piccin, assim como Normélio Peccin Filho, irmão de Idair, foram flagrados em escutas falando sobre como adulterar alimentos vencidos para utilizá-los em embutidos. Eles estão presos preventivamente, e negam as acusações.
Os quase 400 funcionários do frigorífico preparam um protesto nesta quinta (23), pela reabertura da fábrica.
"A gente conhece a integridade da empresa", diz o mecânico industrial Ivan Pereira Gonçalves, 32 anos, há dez no frigorífico. "Cadê o laudo que a polícia cita? Cadê o amparo desse laudo? A empresa não tem uma infração, e agora está fechada?", comenta outro empregado.
Na sexta (17) à noite, quando a fábrica foi interditada pelo Ministério da Agricultura, funcionários choravam em frente ao portão, temendo perder seus empregos.
Muitos deles se referem à Peccin como "nossa família". O dono da empresa, Idair Piccin, era conhecido por sua relação próxima com os funcionários: almoçava no refeitório e ficava quase o dia inteiro na fábrica.
"Eles sempre foram muito exigentes. A gente perdeu o chão", diz Gonçalves. "Onde está essa carne podre que a gente não vê? Nós consumimos, levamos alimento para nossas casas, e nunca deu problema", comenta o funcionário Roberto Spinosa.
Todos estão sem trabalhar desde sábado (18). Alguns ainda vão à empresa, já que precisam manter as câmaras frias, lotadas de matéria-prima, em operação, além de fazer a manutenção das máquinas. Fornecedores que chegam ao local dão com a cara na porta, e precisam dar meia volta.
Boa parte deles teme que não consiga receber o que ainda lhe é devido por causa de contas bloqueadas pela Justiça.
Estelita Hass Carazzai/Folhapress | ||
Funcionários de frigorífico investigado duvidam de irregularidades e protestam por emprego |
PRODUTOS
Pelos mercados do bairro, os produtos da Peccin ainda são vendidos nas prateleiras, sem restrição. Entre os principais compradores da empresa, estavam distribuidores do Pará, Amazonas, Amapá, Ceará e Rio Grande do Norte.
"Há sete anos eu trabalho com essa marca e nunca tive problema", diz José Antonio Bonato, 49, açougueiro de um estabelecimento ao lado da fábrica.
A PF fez um laudo pericial de produtos da Peccin vendidos em mercados de Curitiba, e identificou aditivos não permitidos por lei e não declarados no rótulo das amostras. Porém, a comercialização dos alimentos não foi proibida.
Em uma das conversas interceptadas pela Polícia Federal, fiscais do Ministério da Agricultura suspeitos de corrupção reclamam da qualidade dos produtos -que, segundo a investigação, haviam recebido como propina.
"Com toda a sinceridade, eu não comi. Eu dei um pedaço aqui pro vizinho, outro pra minha cunhada", diz o fiscal Tarcísio Almeida de Freitas, também preso e suspeito de corrupção, sobre um peito defumado de frango que havia recebido da empresa. "É tipo uma massa de mortadela, uma massa 'homogênica' [sic], assim, tudo igualzinha."
Entenda a operação Carne Fraca
Em nota, a Peccin manifestou "forte repúdio" ao que chamou de "falsas alegações" da investigação. Para a empresa, a divulgação das informações foi motivada como "justificativa para a Operação Carne Fraca", porém, realizada de forma distorcida e precipitada.
A empresa diz estar à disposição das autoridades e que está confiante de que eles saberão "discernir a efetiva veracidade dos fatos".
O protesto dos funcionários está marcado para as 10h desta quinta (23).