Folha de S. Paulo


Para economista do Bradesco, país não tem clareza de onde pode crescer

Jorge Araujo/Folhapress
Fernando Honorato Barbosa, economista chefe do Bradesco
Fernando Honorato Barbosa, economista chefe do Bradesco

O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, diz que a desorganização da economia brasileira nos últimos anos foi tão grande que ficou difícil estimar o potencial de crescimento do país no longo prazo.

"Consigo dizer que a gente vai crescer 3% ou 4% ao ano? Pode ser que cresça. E se for 1,5% ou 2%? Pode ser que seja isso mesmo. Você destruiu tanto investimento, capital, que pode ser isso", disse em entrevista à Folha.

Barbosa assumiu a diretoria do departamento de pesquisas econômicas do banco em dezembro, sucedendo Octavio de Barros. Para ele, a retomada da atividade nos últimos meses é para valer, mas será lenta e sujeita a riscos, como o agravamento da crise política e uma eventual paralisia das reformas propostas pelo governo Michel Temer.

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Folha - O otimismo com a economia em 2016 se frustrou. Agora surgiram novos sinais de retomada. É para valer?
Fernando Honorato Barbosa - Entre julho e setembro do ano passado, a confiança aumentou. E a história dizia que, quando a confiança vem, a economia vem na sequência. Esse foi o erro dos economistas —e me incluo nessa turma.

Uma é que o ciclo de crédito foi mais profundo do que nos episódios anteriores. Era preciso que as empresas estivessem viáveis. Descobrimos também que a taxa de juros estava muito apertada para essa nova economia. Por fim, havia descompasso entre melhora de confiança e o começo da melhora dos indicadores.

Então por que a confiança tinha aumentado?
Quando mudou o governo, veio a sensação de que você iria conseguir resolver o tema político e sair da paralisia.

O que é diferente agora?
A taxa de juros começou a cair, a situação de crédito ainda é importante, mas os casos principais [de empresas com problemas] estão mapeados. A inadimplência está estabilizando. E a queda da inflação permitiu voltarmos a ter renda real disponível. A partir daqui, as empresas vão começar a contratar e, depois, investir.

Mas ainda há um descompasso entre o que as pessoas esperam do futuro e o que percebem sobre o presente.
Você tem 13 milhões de pessoas desempregadas, muita gente. Então, vai ser gradual. A gente para de piorar, começa a retomar. Um aspecto importante: entre os 87 milhões de pessoas empregadas, o consumo caiu muito mais do que a renda. É como se as pessoas estivessem poupando. 

Quem tem emprego tem medo?
Estão morrendo de medo. As dívidas das famílias estão caindo. Elas estão poupando e pagando dívida. Se estivermos certos e o mercado parar de demitir no segundo ou no terceiro trimestre, essas famílias podem passar a consumir mais. Todos falam que a retomada em 2017 virá do investimento, mas a surpresa pode vir um pouco do consumo.

A queda dos juros será suficiente para evitar a quebradeira das empresas endividadas?
O decisivo é a queda dos juros. Tanto que, quando se olhava o balanço de riscos, no linguajar do Banco Central, no ano passado, com a Selic onde estava, tudo indicava que haveria nova recessão em 2017. Quando ele acelerou o corte de juros, a gente começou a ver que diminuíram os riscos.

Qual o fôlego dessa retomada?
Nosso cenário é de cautela. A retomada é importante, dados os últimos dois anos de recessão, mas é gradual. Nossa projeção é de crescimento de 0,3% neste ano e de 2,5% a 3% no ano que vem. Além da poupança precaucional, que pode virar consumo, tem dois outros fatores: a ótima safra agrícola e [a liberação das contas do] FGTS, que, para as famílias, vai acabar ajudando.

As incertezas políticas continuam um risco significativo?
Existe uma diferença crucial que é o que a articulação política está entregando. Precisamos separar o ambiente de 2015 e 2016, que não permitia aprovar nem discutir nada, deste ambiente de agora.

A entrega do presidente Michel Temer na articulação política tem sido importante para os mercados, para garantir aquilo que dá essa percepção de que há riscos políticos, mas o que importa é que o teto dos gastos foi aprovado e a reforma da Previdência avança. Se a incerteza política crescer a ponto de paralisar as reformas, aí pode ter uma volta de volatilidade do mercado.

Qual a capacidade do país de crescimento no médio prazo?
A incerteza hoje sobre nosso PIB potencial é muito grande. O que aconteceu do ponto de vista da alocação de recursos da economia, a queda de investimento, faz com que a gente tenha uma incerteza muito grande. Eu consigo dizer pra você que a gente vai crescer 3% ou 4% ao ano? Pode ser. Vai parecer uma resposta em cima do muro, mas não. E se for 1,5% ou 2%? Pode ser que sim. Você destruiu muito investimento e capital.

Por que é tão difícil estimar?
Veja o caso do BNDES e das empresas públicas. Agora estamos reorganizando o crédito do lado do governo e as empresas públicas. Isso tem muito valor de eficiência.

O que é o PIB potencial? É a capacidade de crescer a mão de obra, o investimento e a produtividade da economia. O crescimento da população é mais ou menos determinado. Tem agora a ociosidade do mercado do trabalho, que vai ajudar, mas não é estrutural. A gente depende, então, de investimento e produtividade.

Quando você organiza essas duas partes, BNDES e empresas públicas, você ganha eficiência na economia. Além disso, sem o mínimo de percepção de solvência [das contas públicas], não vai crescer.

A queda da taxa de juros cria um mínimo de capacidade para o país crescer mais à frente. Falta uma reforma trabalhista, que poderia dar flexibilidade às empresas. Tem ainda uma certa timidez nas concessões. Se avançassem, aumentariam o investimento.

Acho que temos um PIB potencial de 3%. Mas a incerteza é enorme. O investimento caiu tanto, a eficiência na alocação dos recursos ficou tão confusa, que não temos clareza de onde podemos crescer.

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RAIO-X - Fernando Honorato Barbosa

Idade: 38 anos

Cargo: diretor e economista-chefe do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco

Formação: economista com mestrado pela USP

Trajetória: foi superintendente executivo e economista-chefe do Bradesco Asset Management. Trabalhou ainda para o BBVA, BankBoston e Rosenberg & Associados


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