Folha de S. Paulo


Crítica

Livro aponta riscos da desaceleração do crescimento chinês

Carolyn Kaster/Associated Press
O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama cumprimenta o líder chinês, Xi Jinping
O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama cumprimenta o líder chinês, Xi Jinping

Mal tínhamos nos acostumado a viver no "século asiático" e ele já pode ter acabado. É o que argumenta Michael Auslin em "The End of the Asian Century" O fim do Século asiático, (ainda sem tradução em português).

"Estamos à beira de uma mudança no zeitgeist mundial, da celebração de uma Ásia forte e crescente para a preocupação com uma Ásia fraca e perigosa", escreve.

Um dos primeiros resultados da presidência de Donald Trump foi uma reavaliação das suposições sobre o papel estratégico dos Estados Unidos na Ásia. A mensagem do livro de Auslin favorece, em última análise, manter a presença dos Estados Unidos na Ásia, diante de uma China cada vez mais forte. Mas o texto é produto da Washington pré-Trump, quando a "virada para a Ásia" e a Parceria Transpacífico, promovidas por Barack Obama e Hillary Clinton, dominavam a agenda.

O livro atualizará os leitores quanto à história recente: "Nós, no Ocidente, ainda não percebemos, mentalmente, a maneira pela qual a globalização transformou a região Ásia-Pacífico", escreve Auslin. Mas ele não oferece grandes percepções sobre a maneira pela qual os asiáticos encaram o ressurgimento da China, a presença norte-americana na região, ou seu futuro. O livro é uma aula rápida sobre os riscos da Ásia, mas não explora as soluções que os asiáticos podem oferecer.

O autor, especialista em questões japonesas no American Enterprise Institute, ataca a ideia de que a Ásia (leia-se: China) continuará sua expansão econômica, o que a conduziria à fugaz coroa da "liderança mundial". Muita gente nos Estados Unidos aceita que isso vá acontecer sem compreender as limitações da China, e por isso o livro serve como um ponto de partida útil. "Os observadores ocidentais presumiam nos anos 80 que o Japão continuaria a crescer para sempre; suposição semelhante ainda domina muitas discussões sobre a China", ele diz. A analogia não escapa aos acadêmicos e aos dirigentes chineses, que se preocupam sobre os custos futuros da sucessão de bolhas em diferentes categorias de ativos do país.

O espetacular crescimento chinês está de fato se desacelerando, mas Auslin não se aprofunda sobre como esse processo pode transcorrer. Historicamente, quando a China está em paz, o tamanho gigantesco de sua economia literalmente suga Estados litorâneos para sua órbita. Camboja e Laos estão atrelados a Pequim; Mongólia, Mianmar, Tailândia e Coreia do Norte lutam contra a atração gravitacional exercida pela China.

Ironicamente, uma desaceleração forte no crescimento da China também pode criar problemas para a região. Dívidas contraídas para financiar projetos que provaram ser elefantes brancos e o desenvolvimento de infraestrutura orientada a um mercado que parece estar encolhendo, combinados a elites corruptas e pró-chinesas, podem resultar em insatisfação popular.

Esse cenário poderia levar a China a ceder à tentação de intervir no exterior, e a tolerância étnica poderia se transformar em tensão racial. E há também os atrativos do fundamentalismo do Oriente Médio para as diversificadas comunidades muçulmanas da Ásia.

Auslin lida com terreno mais conhecido ao tratar da corrida armamentista entre os países que circundam o Mar do Sul da China, o que o conduz a uma proposta de "triângulos concêntricos" de alianças norte-americanas com o objetivo de conter a China. Ao tomar por foco os potenciais pontos de conflito, no entanto, ele subestima o fato de que o multifacetado relacionamento entre China e Estados Unidos serviu como lastro da estabilidade regional, permitindo a "ascensão pacífica" da China.

Auslin lamenta a falta de uma "arquitetura de segurança" na Ásia, tema que dominou uma recente conferência sobre segurança internacional em Pequim. Como os participantes chineses do evento fizeram questão de apontar, a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada tendo em mente um inimigo comum. Será que a China deve ser o inimigo, para um equivalente asiático da Otan? A importância da China torna indesejável que isso aconteça, para todos os Estados asiáticos e para a maioria dos grupos de interesses dos Estados Unidos.

Em lugar de distinções claras separando os aliados dos malvados, a estratégia na Ásia envolve redes de relacionamentos e permite frequentes alterações de calibragem, com base nas forças e fraquezas relativas de cada participante. Pense em Go, um jogo no qual uma montagem estratégica de peças permite que o vencedor repentinamente vire o controle do tabuleiro.

A China vem ganhando terreno no Mar do Sul da China e testando a disposição dos Estados Unidos de defender Taiwan, mas ao mesmo tempo muitos dos tecnocratas chineses (e talvez até o presidente Xi Jinping) duvidam das capacidades constantemente alardeadas pelas forças armadas chinesas. Outros observadores se preocupam com a possibilidade de que ações agressivas levem o investimento estrangeiro (incluindo o taiwanês) a fugir da China, derrubando a economia e condenando o país. Enquanto isso, o instável impasse entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte não pode ser resolvido devido à situação política em Washington, que impede o engajamento direto com Pyongyang, uma abordagem que poderia virar o jogo.

A presença dos Estados Unidos na região possibilita o século asiático ou o dificulta? Washington precisa descobrir o que os asiáticos querem, e o que os norte-americanos querem, antes que o equilíbrio seja perdido.

"The End of the Asian Century"
QUANTO: QUANTO R$ 70,20 (LIVRO DIGITAL; 304 PÁGS.)
AUTOR: MICHAEL R. AUSLIN
EDITORA: YALE UNIVERSITY PRESS

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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