Folha de S. Paulo


Psicologia define chances políticas de reforma da aposentadoria, diz especialista

Arquivo Pessoal
O professor e cientista politico noruegues Einar Ãverbye, Oslo and Akershus University College of Applied Sciences, especialista em politicas publicas, politicas de seguridade social e reforma da previdencia Foto: Arquivo pessoal ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O cientista político norueguês Einar Overbye, professor da Unversidade de Oslo e Akershus

Como políticos conseguem sobreviver a cortes nas aposentadorias, um dos programas sociais mais disseminados e populares do mundo?

A questão levou o especialista em seguridade social Einar Øverbye, professor da Escola de Ciências Aplicadas da Universidade de Oslo e Akershus, a estudar reformas previdenciárias levadas a termo na Europa e na América Latina a partir dos anos 1990.

Teorias pregavam que reduzir benefícios era suicídio político. Eram vistas como particularmente impossíveis tentativas de passar de um modelo de repartição (como o brasileiro, em que uma geração mais jovem sustenta a aposentadoria dos mais velhos) para um de capitalização (no qual cada trabalhador deposita para sua própria aposentadoria), porque os trabalhadores que já arcavam com os atuais aposentados seriam duplamente onerados para garantir renda futura.

Reforma da Previdência
As mudanças propostas na aposentadoria

"Mas as reformas aconteceram, com apoio e muitas vezes por iniciativa de políticos social-democratas, que costumam ser avessos a qualquer ideia de corte social", diz Øverbye. Em sua pesquisa, ele elencou fatores estruturais e psicológicos que podem ser decisivos.

Entre os estruturais, estão a amplitude da cobertura previdenciária (quanto mais informalidade, menos opositores), crises econômicas (que torna críveis possíveis calotes das aposentadorias) e a perspectiva de juros altos (que eleva a atratividade dos modelos de capitalização).

Mas são os psicológicos que realmente definem a viabilidade política. "É preciso vencer na comunicação. A maneira como as mudanças vão ser vistas pelas elites políticas é fundamental."

Segundo Øverbye, esse impacto é muito mais importante que o eleitoral. "Eleições são ações de baixo custo e baixo retorno. O voto é uma expressão de opinião, não uma decisão sobre políticas. E as pessoas querem dar a opinião que é percebida como a mais correta, a mais valorizada", afirma.

O cientista político, que atuou como consultor na reforma norueguesa, diz que governos capazes de apresentar as reformas como redefinição das prioridades de investimento social, e não como cortes, foram os mais bem-sucedidos. Øverbye falou à Folha por telefone, de seu escritório em Oslo.

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Folha - O sr. estudou as condições políticas que possibilitaram reformas previdenciárias na América Latina e na Europa. Quais predominaram?

Einar Overbye - Essencialmente os aspectos psicológicos; a capacidade de definir a situação como necessária, positiva e desejável. Fatores estruturais importam, claro. Uma crise econômica sempre ajuda. Mas são fatores que não valem por si mesmos. O valor depende de como são vistos pelos atores políticos, como influenciam as elites políticas.

Se o sistema existente tem problemas, há oportunidade para mudança. Mas se essa oportunidade vai ser usada ou não depende totalmente da discussão política psicológica.

A influência psicológica é mais importante no que o sr. chama de fase "não politizada" do debate (negociações fechadas, formulação de propostas) ou na fase politizada, de debate no Congresso?

Geralmente há chances mais dramáticas em crises, que costumam favorecer políticos com propostas mais radicais. Internamente, dentro dos partidos, há também um clima psicológico que facilita mudanças de posição. É o velho ditado "Ninguém muda até que seja obrigado a isso".

O Brasil terá eleições nacionais no próximo ano. Isso afeta as chances de uma reforma?

Não acredito, desde que a reforma seja vista como relevante pelas elites formadoras de opinião. Se for vista como importante no longo prazo, para a saúde fiscal e econômica do país, tende a prosperar.

Se for vista como chance de destinar recursos a serviços relevantes, como educação ou saúde. Mas, se parcelas importantes da elite política forem contra, vai fracassar.

Também costuma ser um fator muito relevante a confiança de que o dinheiro poupado na reforma será de fato usado em serviços de melhor qualidade e mais relevantes.

O Brasil está passando por uma investigação que pôs em xeque a credibilidade de governos e instituições em todos os níveis. Isso pode ter peso na batalha psicológica?

Dificulta.

Mas é preciso ficar claro para o país quais são suas prioridades.

Se for aposentadoria, que se sustentem as aposentadorias. Mas, se for educação, haverá espaço para cortar a Previdência.

Depende de onde a população quer que sejam usados os impostos: se para sustentar os idosos ou apoiar os mais jovens.

Economistas pró-reforma debatem se é melhor aproveitar o momento para uma mudança de modelo mais radical, ou estancar já a hemorragia de gastos e deixar reformas mais amplas para depois -este grupo teme que uma proposta radical dificulte a reforma.

Aprovar uma reforma radical pode ser até mais fácil, porque é mais complexo avaliar quanto cada um vai perder se todo o modelo será alterado. Soa maquiavélico, não é? [risos] Nunca vi governos que tenham usado isso como um argumento. Mas, quando estudamos países que tiveram sucesso nas reformas, vemos que uma proposta mais radical de mudança não necessariamente é desvantajosa do ponto de vista político.

Mudar tudo é perfeitamente possível, como na Suécia e na Itália. Mas é importante observar que países que mudaram radicalmente de um sistema de benefícios definidos [como o brasileiro] para um de contribuições definidas [o valor do benefício depende da rentabilidade dos
investimentos feitos] o fizeram num momento de taxas de juro altas, em que a perspectiva de rendimento dos investimentos era favorável.

Agora, passamos por uma crise traumática. Os juros estão muito baixos.

Talvez não no Brasil.

No Brasil, os juros reais básicos estão acima de 5%.

Nesse contexto, se a perspectiva for de que os juros continuarão altos, a proposta de um sistema de capitalização ganha força, porque é possível acenar com ganhos.

Na Europa, com taxas de 0,5%, esses sistemas não andam muito populares.

Não sou especialista em Previdência, mas, do ponto de vista de um cientista político, acho interessante o sistema sueco [conhecido como NDC, combina previdência social, conta previdenciária privada e contribuição obrigatória em plano ligado à categoria profissional]. Ele permite um bom controle de custos do sistema.

Como o envelhecimento da população e mudanças no mercado de trabalho, com menos vínculos formais, afetam os modelos de seguridade?

É uma questão de política social mais ampla, de investimento social, e não apenas de Previdência.

Em muitos países que reformaram suas aposentadorias, não vemos apenas cortes, mas também mais gastos em educação, em creches, uma redistribuição de investimentos dos mais velhos para os mais novos.

As reformas foram apresentadas dessa forma, como uma mudança combinada, não apenas um corte, mas uma nova prioridade de investimento social.

Claro que a baixa natalidade e a maior sobrevida põem em xeque a sustentabilidade da Previdência, mas não é apenas esse o problema. Há o risco de que a Previdência acabe sendo como um filhote cuco no ninho [os cucos botam seus ovos nos ninhos de outros pássaros e o filhotes filhotes de cuco, quando crescem, jogam para fora do ninho os filhotes legítimos]. Quando os custos crescem, esmagam os investimentos para a infância, as escolas, outras políticas sociais.

É uma narrativa politicamente forte. E é por isso que mesmo políticos social-democratas, que geralmente não gostam de cortes em programas sociais, chegaram até mesmo a propô-los.

Outro argumento forte é que as crianças são um grupo mais vulnerável, porque não podem defender seus interessantes. Claro, precisa ser acompanhado de renda mínima para os idosos prejudicados. Mas o principal é que seja uma discussão sobre redirecionamento da política social, não só sobre cortes.

Como foi sua experiência na negociação de reformas?

Na reforma norueguesa, fui consultor e participei de comissões de discussão das propostas, entre acadêmicos, atores políticos e principais partes interessadas no assunto. Elas são muito importantes para que ao menos haja acordo sobre os problemas, mesmo que não sobre as soluções. É preciso que haja clareza sobre que problemas pode haver nas propostas.

Pela sua experiência, então, construir consenso político é importante para aprovar uma reforma?

Diria que é essencial.


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