Folha de S. Paulo


Babá da metrópole, rede detecta sons de tiros e acidentes e avisa a polícia

Uma rede de vigilância desenvolvida no Brasil que integra imagem, som e inteligência artificial pode ser uma aliada no combate à violência e aos problemas de mobilidade das metrópoles.

A tecnologia, que recebeu o nome de Anjos da Rua, é elaborada há três anos no Porto Digital do Recife (PE), um parque tecnológico com cerca de 250 empresas inovadoras, em parceria com a Serttel, companhia que cria soluções em mobilidade.

TECNOLOGIA NACIONAL
Inteligência artificial renova a rotina e busca soluções para as cidades
Obra do artista Herman Tacasey feita com placa-mãe e componentes de computador

O sistema é todo montado em um poste a seis metros do chão. Tem um supermicrofone que capta sons num raio de até 80 metros, uma câmera com rotação em 360 graus e uma central de dados guiada por um software de inteligência artificial.

Para atacar problemas de segurança como balas perdidas e tiroteios no meio da rua, o primeiro passo foi captar o som dos disparos das armas de fogo mais utilizadas no país, como as de calibre 38, ponto 40 e 380. Também foram gravados barulhos de freadas e colisões entre veículos.

A fase seguinte foi ensinar o software, com testes de repetição, a reconhecer cada áudio, conta Rudrigo Maciel, diretor da Serttel. "Fizemos cálculos matemáticos para ensinar o software a distinguir cada um dos sons."

Essa etapa é crucial para gerar a biblioteca de dados na qual a ferramenta vai se basear para enviar alertas com a imagem e a localização exata da ocorrência para uma central de monitoramento.

Com a preparação do software para reconhecer qualquer tipo de som, o sistema ganhou múltiplos usos. No trânsito, detecta o barulho de uma batida entre veículos. "Ele pode ajudar a melhorar a trafegabilidade e a encurtar o tempo de resgate às vítimas de um acidente", diz Maciel. Também é capaz de identificar o barulho de uma multidão na rua.

No futuro, a ideia é incorporar um sensor que funcione como uma espécie de nariz virtual. Ele poderá detectar o cheiro de fumaça de um incêndio e medir a qualidade do ar nas cidades.

O Carnaval do Recife servirá de teste de rua para a inovação. No evento, serão monitorados sete pontos do centro da capital pernambucana, região que atrai milhares de foliões durante a festa. As ocorrências serão analisadas pela central de vigilância da Guarda Municipal.

Alexandre Affonso/Folhapress

BABÁ ELETRÔNICA: como funciona o sistema

1 Um tiro de arma de fogo é disparado na rua

2 O barulho do disparo é capturado por um microfone

3 Um software processa o áudio e identifica até o calibre da arma de fogo

4 Um alerta de texto com a imagem e a localização exata da ocorrência é enviada para uma central de monitoramento da polícia

5 Policiais militares, guardas civis e bombeiros também são acionados em tempo real e podem prestar auxílio à ocorrência

ZONAS SEGURAS

A tecnologia já havia sido avaliada ao longo de 2016 na avenida Alfredo Lisboa, no centro do Recife. Segundo Maciel, diretor da Serttel, foram testadas apenas as funções técnicas da ferramenta. Os flagrantes criminais não foram levados em conta.

Segundo Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança do Recife, após o Carnaval, o Anjos da Rua será integrado ao sistema de vigilância da cidade. "Ele vai ajudar a criar zonas seguras em locais onde os crimes contra o patrimônio e as mortes violentas são mais registrados."

Cavalcanti não soube precisar o valor que a Prefeitura do Recife terá que investir na parceria com o novo sistema. Angelo Leite, fundador da Serttel, vê potencial no produto para que atraia a atenção dos governos de outros municípios e Estados.

"Vamos ofertar o serviço de monitoramento em si. Também faremos a reposição de câmeras quebradas e a atualização do sistema. Os clientes não vão comprar nenhum equipamento", diz Leite.

A empresa detém a patente da tecnologia no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Cada ponto monitorado na cidade deverá custar entre R$ 2.000 e R$ 4.000 ao mês.

A tecnologia é apenas um dos produtos em desenvolvimento nas áreas de segurança e mobilidade do programa Porto Leve, que testa sistemas para carros elétricos e bicicletários públicos no Porto Digital, diz Cidinha Gouveia, coordenadora da iniciativa. "A meta é que essas soluções criadas aqui ataquem os principais problemas urbanos em qualquer lugar."

O Porto Leve custou R$ 5 milhões, captados em 2012 da Finep (agência do Ministério da Ciência e Tecnologia).

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3 anos
foi o tempo que a rede de vigilância levou para ser criada

Até R$ 4.000
é o custo mensal do serviço para o monitoramento de um ponto da cidade

80 metros
é o alcance máximo do microfone do equipamento para captar sons

7
cruzamentos serão monitorados no Carnaval do Recife


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