Folha de S. Paulo


Mundo não está preparado para crise, diz ex-economista-chefe do FMI

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
O economista francês e professor Olivier Blanchard
O economista francês e professor Olivier Blanchard

O mundo não está preparado para enfrentar uma nova crise econômica.

A opinião é de Olivier Blanchard, que foi economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional) entre 2008 e 2015 —o cargo hoje é ocupado pelo americano Maurice Obstfeld.

Em entrevista por e-mail, o ex-dirigente do Fundo diz que os governos não fizeram experiências suficientes com políticas econômicas alternativas, como as chamadas medidas macroprudenciais.
Após a crise financeira global de 2008, discutiu-se, por exemplo, a necessidade da adoção de instrumentos como uma regulação flexível do setor bancário que se ajustasse ao ciclo econômico, com regras mais rígidas em períodos de expansão e menos estritas nos momentos de desaceleração.

Houve também discussão sobre um possível acordo para a taxação de fluxo de capitais em situações emergenciais. Blanchard promoveu muitos desses debates enquanto esteve no FMI, mas, segundo ele, os avanços ainda deixam a desejar.

Nascido na França, Blanchard fez doutorado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), onde permanece como professor emérito —ele também deu aula nos anos 1980 em Harvard. Atualmente, é pesquisador do Peterson Institute for International Economics (organização que tem sede em Washington) e continua ativo no debate econômico.

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Folha - O sr. foi um dos primeiros a defender a necessidade de repensar a política macroeconômica. Um intenso debate se desenrolou desde então. Em que ponto estamos?
Olivier Blanchard - Acho que ainda precisamos repensar. Em termos de objetivos, é claro que crescer não é o suficiente, e nós temos de nos preocupar mais sobre a distribuição desse crescimento, sobre a desigualdade.

Em termos de como a economia funciona, o sistema financeiro é muito mais importante do que pensamos, tanto como origem de choques quanto como um transmissor de choques para outros lugares do sistema.

Em termos de políticas, nós descobrimos que temos um conjunto de instrumentos muito maior, mais instrumentos de política monetária, novos instrumentos de macroprudenciais, instrumentos fiscais não explorados. Ainda temos de decidir quais usar, tanto em tempos normais quanto em momentos excepcionais.

Ficou claro que nem todas as políticas podem ser aplicadas a todos os países?
Algumas verdades são, se não eternas, pelo menos generalizadas o suficiente para serem aplicadas a todos os países.

Deficit grandes, expansão monetária rápida são ideias ruins em todos os lugares e sempre. Mas, além disso, há e deve haver diferenças entre países, sejam eles abertos, sejam fechados, tenham um mercado financeiro simples ou sofisticado, tenham longa tradição de políticas responsáveis ou não.

Taxas de câmbio flexíveis podem não ser a melhor opção para todos, embora eu ache que sejam a melhor para a maioria. Regras fiscais podem tomar formas diferentes.

E nós estamos numa fase de experimentação. É bom que os países experimentem diferentes instrumentos de políticas macroprudenciais, por exemplo.

Os formuladores de políticas públicas parecem saber para onde estamos caminhando?
Acho que existe um desejo de voltar para os dias antigos, algo como uma contrarrevolução.

Digamos, no caso da política monetária, voltar para o regime de metas de inflação com alguns ajustes. A experimentação com políticas macroprudenciais ainda é insuficiente. E nenhum trabalho sério para usar a política fiscal como mecanismo de estabilização foi feito.

E quais os riscos disso para a economia?
Não estamos preparados como deveríamos para enfrentar a próxima crise. Se ela vier, com certeza deveremos responder e desenvolver esses mecanismos, mas seria melhor já tê-los prontos e testados agora.

Os bancos centrais devem voltar a perseguir apenas a estabilidade de preços? Ou precisarão de mandatos mais amplos?
Acho que os bancos centrais precisam ter um mandato triplo [muitos BCs têm um mandato duplo, com foco no controle da inflação e no pleno emprego].

Um foco exclusivo na inflação pode levar a atividade a desviar muito do potencial de crescimento econômico e à instabilidade financeira.

Para fazer isso, eles precisam de dois tipos de instrumento, política monetária e instrumentos macroprudenciais. Como combinar os dois, tanto em termos institucionais quanto práticos, é uma questão que ainda não está resolvida. A experimentação pode ajudar.

Os países avançados podem ter entrado numa fase de estagnação secular [crescimento decepcionante por muitos anos, com retomadas frágeis e alto risco de novas recessões] ou crescimento muito menor?
A evidência é que o crescimento da produtividade tem sido incomumente baixo na maioria dos países avançados. A extrapolação sugere que isso pode continuar.

Esse fator combinado com uma tendência demográfica adversa [envelhecimento da população] implica, realmente, crescimento econômico menor, embora certamente não uma estagnação.

Esse cenário, no entanto, deve ser visto com alguma ressalva. Não há muita correlação entre as taxas de crescimento da produtividade nas últimas décadas, a inovação continua a um ritmo acelerado. Há grande probabilidade de que o crescimento da produtividade seja maior do que o cenário mais considerado atualmente.


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