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Com crescimento acima da média, Paraguai vira caso de sucesso na região

Marta Escurra/Folhapress
ASUNCION. 30.jan.2017. Vista nocturna del nuevo eje corporativo y financiero de de la capital de Paraguay. (Foto: Marta Escurra/Folhapress, EDITORIA).
Vista noturna do novo centro financeiro de Assunção, capital do Paraguai

Antes visto apenas como exportador de alimentos, eletrônicos falsificados e extremamente dependente de seus vizinhos maiores –Brasil e Argentina–, o Paraguai vem se destacando como um "case" de sucesso na região.

Em sua recente participação no Fórum de Davos, a primeira de um presidente paraguaio, o conservador Horacio Cartes (Partido Colorado) foi questionado sobre qual era o segredo do sucesso de seu país num momento em que a América Latina desacelera.

O país cresceu entre 3% e 4% nos últimos anos, enquanto as demais economias da região ficaram na média de 2%. Para não falar da recessão de Brasil e Argentina.

"Não há segredo, na última década tivemos um vento favorável [referindo-se ao boom das commodities], e o que fizemos depois foi cuidar de nossos gastos e investimentos", afirmou em Davos.

Eleito em 2013, Cartes é um dos principais empresários do país. Atua no setor de tabaco, além de ser um dos fundadores do principal banco paraguaio, o Amambay.

Assim que assumiu, disse que faria uma administração empresarial. Além de ex-funcionários de suas empresas, chamou para o governo jovens da iniciativa privada e com formação no exterior.

Se por um lado a atitude irritou a ala mais tradicional do Partido Colorado, a fórmula de "governo sem políticos" tem dado resultados.

Os principais motivos do bom desempenho paraguaio são o investimento industrial, especialmente com as chamadas "maquilas", e a abertura do setor de carnes para investidores estrangeiros.

"Queremos ser a China do Brasil", disse à Folha Gustavo Leite, ministro da Indústria e do Comércio. Ele se refere aos US$ 70 bilhões de compras que o Brasil faz de manufaturas da Ásia e que, segundo ele, seriam mais vantajosas se saíssem do vizinho.

'MAQUILAS'

O setor de "maquilas" é um dos que mais cresceram no ano passado, 10% ante 2015. Para atrair interessados, o país oferece desconto de impostos. "Das 'maquilas', 80% são brasileiras, 7%, argentinas, e o resto se divide entre europeias e americanas. Mas queremos chegar a mercados mais distantes", diz Carina Daher, da câmara de maquiladoras.

Para o ministro da Fazenda, Santiago Peña, mesmo com a diversificação industrial, o Paraguai não pode abrir mão da agropecuária. "Alimentos sempre serão necessários e não podemos renegar nossa tradição. Os chineses não vão poder comer celulares", disse à Folha.

Peña, 38, é um dos ministros mais jovens, estudou na Universidade Columbia (EUA) e passou pelo FMI. É cotado para suceder Cartes, caso ele não consiga aprovar a reeleição no país.

No setor de carnes, o investimento paraguaio já superou o de Uruguai e Argentina e só perde do Brasil. Parte desses recursos é brasileira.

VENDAS EM ALTA - Exportações paraguaias de janeiro a novembro, em US$ bi

A JBS já tem três unidades no país e sua exportação local cresceu 12% em 2016. "O consumo interno também está aumentando", disse Felipe Azarias, presidente da JBS no país. "Estamos no Paraguai desde 2008 e, para nós, é muito proveitoso. É um país com políticas claras de investimento, impostos baixos e mão de obra de bom nível."

TRANSFORMAÇÃO

O estereótipo da capital paraguaia está mudando. Em vez de uma cidade marcada por ruas estreitas e lojas de eletrônicos (alguns de procedência duvidosa), casas de câmbio e ambulantes trabalhando sob o sol a pino, Assunção vem se transformando em alta velocidade.

Se o centro guarda muito dessa imagem, os novos bairros e a região portuária estão mudando. Surgiram torres de escritórios, hotéis e shopping centers.

Mais transformações estão em curso. Já aprovado, um projeto construirá corredores e criará um sistema de BRT.

O governo, porém, pretende dar ênfase à região portuária, onde serão construídas, até 2019, cinco torres para abrigar os ministérios de Relações Exteriores, Emprego, Comunicação e Cultura.

Para a zona mais antiga, há um plano, ainda sem data definida, de torná-la mais limitada aos carros, com áreas para pedestres, parklets e praças.

PARCEIROS - Principais destinos das exportações paraguaias de janeiro a novembro de 2016, em %

Prédios históricos, como o edifício principal do Porto de Assunção, seriam remodelados e a zona também receberia um calçadão junto ao rio.

RIVALIDADES

Ideologicamente, o presidente paraguaio, Horacio Cartes, e o ex-mandatário e hoje senador Fernando Lugo, destituído pelo Senado em 2012, estão em polos opostos.

Enquanto Cartes, do tradicional Partido Colorado, vem implementando uma gestão empresarial, Lugo, da Frente Guasú, representou, no tempo em que permaneceu no cargo, a versão paraguaia da chamada "onda vermelha" que predominou na América Latina nos anos 2000.

Atualmente eles estão numa luta comum: querem se candidatar ao cargo novamente em 2018. A Constituição, porém, não permite reeleição, nem sequer em mandatos não consecutivos. Mas nos últimos meses tanto um lado como o outro começaram a estudar como driblar o entrave.

SOMBRA DO VIZINHO - Variação do PIB em relação ao ano anterior, em %

Os colorados apresentaram proposta de emenda à Constituição com mais de 300 mil assinaturas. Uma avaliação, porém, mostrou que a lista continha irregularidades, como nomes de pessoas mortas e de funcionários do próprio governo.

Outra estratégia, então, vem sendo pensada pela cúpula do governo Cartes, a de que ele renuncie seis meses antes e, então, se apresente sob a alegação de não ter cumprido todo o mandato –a lei permite esse movimento.

O recurso também habilitaria Lugo, que sofreu impeachment em 2012.

Em qualquer caso a decisão terá de passar pelo Congresso e pela Corte Suprema, e é nessa campanha que estão engajados tanto colorados como membros da Frente Guasú. Lugo ainda tenta apoio internacional, questionando seu impeachment.

Segundo pesquisas recentes, Cartes tem baixa popularidade, 23%. Já Lugo, 58%.

À Folha o ministro da Fazenda, Santiago Peña, defendeu a reeleição em nome da continuidade das mudanças econômicas em curso.


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