Folha de S. Paulo


Crítica

Livro descortina bastidores de reuniões da elite internacional

Fabrice Coffrini/AFP
Media, secury and officials wait in the Congress hall for British Prime Minister's speech on the third day of the Forum's annual meeting, on January 19, 2017 in Davos. Theresa May addresses the World Economic Forum in Davos just two days after unveiling her blueprint for the country's departure from the European Union / AFP PHOTO / FABRICE COFFRINI
Fotógrafos e jornalistas aguardam a primeira-ministra britânica, Theresa May, em Davos

Em "Diary of a Nobody" (Dário de Um Ninguém), sátira escrita por George e Weedon Grossmith em 1892 sobre os devaneios do escriturário Charles Pooter, o pomposo narrador tem uma deliciosa surpresa certa manhã.

"Perfeitamente atônito por Carrie e eu termos sido convidados pelo lorde prefeito e sua lady para uma visita à Mansion House. (...) Meu coração está batendo como se eu fosse um garoto", registra.

O evento, é claro, se prova tragicômico. Depois de exultar por se ver entre seletos eleitos, Pooter fica indignado quando encontra o dono do ferro-velho de seu bairro.

Em janeiro, 3.000 líderes empresariais, políticos e outros se reuniram na Suíça para o baile mundial do mercador: o Fórum Econômico Mundial de Davos. Essas pessoas são todas alguém, e não ninguém, embora algumas sejam mais alguém do que as outras. Os convidados usam crachás de cores diferentes para identificar seu status.

"Cruzei com Bill Gates, que acenou amistosamente em minha direção; com a chefe do FMI, Christine Lagarde, que disse 'olá'; e com o bilionário dos fundos de capital privado Steve Schwarzman, com quem troquei elogios. No balcão de casacos, acabei encontrando Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA", escreve Sandra Navidi sobre sua peregrinação ao fórum em "Superhubs".

Em outro momento, ela vai a uma festa em um chalé oferecida por Oleg Deripaska, o magnata russo do alumínio, e lá ela encontra "torrentes infindas do champanhe mais fino, vodca, caviar russo, em meio a cossacos dançando e a belas modelos russas".

Observando o movimento em Davos, as filas de visitantes para as mesas-redondas e palestras que se deslocam pela cidade em ônibus fretados e Audis com pneus equipados de correntes, é inevitável perguntar: quem são essas pessoas? São mesmo poderosas ou só aspiram a isso?

Como qualquer clube, os membros querem convencer quem está de fora de que se trata de um lugar exclusivo. Mas estamos falando de fingidores ou financistas?

Um pouco de cada um, seria a resposta mais justa. Primeiros-ministros de fato chegam de helicóptero para rápidas visitas nas quais transmitem sucintamente suas mensagens. Mas o lugar está repleto também do equivalente aos comerciantes convidados ao baile do prefeito de Londres.

Há economistas, executivos, advogados, consultores, tradutores e assessores -uma profusão de Pooters.

A multidão resulta, em parte, da matemática. Se a população mundial é de 7,3 bilhões de pessoas, o "top 1%" abarca 73 milhões de pessoas.

Ela também reflete a maneira pela qual a economia mundial opera: a queda das barreiras ao comércio significa que transações são realizadas em lugares inesperados, e as oportunidades de intermediação são amplas. Networking e autopromoção se tornam talentos cruciais.

MUNDO AMEAÇADO

O livro de Navidi oferece retratos desse mundo em um momento no qual ele pode estar começando a decair.

Navidi é frequentadora regular do Fórum de Davos, antiga colaboradora do economista Nouriel Roubini, que ganhou fama em razão da crise financeira de 2008.

Pouca gente é melhor do que Navidi em se posicionar perto do que ela define como "superhubs": indivíduos poderosos, quase todos homens, com "alto grau de inteligência emocional, carisma e charme" que "cultivam suas conexões para obter tremendas vantagens".

Certa noite em Davos, como parte de uma roda de conversa que incluía o presidente russo, Vladimir Putin, ela brincou com ele sobre o seu país controlar os suprimentos de energia da Alemanha.

"Olhando em seus olhos azuis e secos, percebi que não tínhamos exatamente o mesmo senso de humor... Com isso, Do svidániia! [tchau!]. Saí de lá o mais rápido que pude."

Navidi alterna entre celebrar figuras como "o bilionário magnata dos fundos de hedge George Soros", em seu "rarefeito mundo de poder, luxo e privilégio", e sugerir que as coisas talvez não sejam muito justas.

Ela aponta, por exemplo, que "as conexões [de Soros], especialmente no reino político, lhe deram acesso a informações que não eram conhecidas do público geral", antes de ele fazer fortuna apostando contra a libra nos mercados futuros, em 1992.

Por fim, ela se mostra encantadoramente inocente ao discorrer sobre uma alta sociedade na qual os poderosos vão ao terceiro casamento de Soros para "celebrar a jubilosa ocasião -e também para reforçar os elos sociais existentes".

Como conclui Navidi sobre eventos como o Fórum de Davos e a reunião anual de Bilderberg, os membros da tribo "comparecem ritualmente às 'cerimônias' para ver e serem vistos, afirmar sua posição e receber reconhecimento". Mesmo que a realidade não seja páreo para a antecipação, é uma sensação agradável.


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