Folha de S. Paulo


Crítica

Ambição ingênua compromete ótimo relato de dez 'milagres'

Gian Ehrenzeller/Associated Press
Paul Kagame, President of the Republic of Rwanda, speaks during a panel session at the 47th annual meeting of the World Economic Forum, WEF, in Davos, Switzerland, Thursday, Jan. 19, 2017. (Gian Ehrenzeller/Keystone via AP) ORG XMIT: FOS117
Paul Kagame, que desde 2000 é presidente de Ruanda, um dos países estudados no livro

Seria perfeito se "The Fix" (o conserto, em inglês, ainda sem tradução no Brasil) fosse apenas um livro de histórias de sucesso.

Seu autor, o canadense Jonathan Tepperman, é um jornalista bem formado e bem-sucedido que emprega na obra as mesmas qualidades da "Foreign Affairs", revista que ele ajuda a dirigir.

Cada um dos capítulos é uma reportagem muito bem feita sobre momentos importantes na história de nove países e uma cidade, Nova York.

Tepperman pesquisa os temas com profundidade, documenta, visita os países, entrevista vários dos principais personagens (incluindo os chefes de governo e de Estado), ouve pesquisadores.

Seus relatos são claros e interessantes. Costuram contexto mais amplo e anedotas pessoais, fazem comparações didáticas, e o texto flui com facilidade mesmo quando o assunto é mais árido.

"The Fix" reconta a rígida batalha anticorrupção de Cingapura e a flexível reconstrução civil de Ruanda, dizimada por conflitos étnicos.

Mostra como a Indonésia controlou o terrorismo islâmico, como Botsuana escapou da "maldição dos diamantes" e por que a revolução energética do gás de folhelho prosperou nos EUA.

Na lista, está ainda a Coreia do Sul, uma das poucas nações do mundo capazes de continuar crescendo mesmo depois de atingir a renda média, e o Canadá, que de país xenófobo se tornou exemplo de multiculturalismo.

No México e em Nova York, o assunto são as soluções de impasses políticos (conflitos entre esferas de administração) que permitiram implantar reformas estruturais.

E o Brasil é modelo de como reduzir a pobreza.

HOMENS X CONTEXTO

O ponto fraco de "The Fix" é que Tepperman não quer apenas contar histórias de sucesso. Sua ambição é transmitir lições: "Um livro sobre como líderes resolveram problemas específicos é inevitavelmente sobre liderança e solução de problemas".

Tepperman afirma que estava cansado da literatura de relações internacionais, "que se debruça apenas sobre problemas". Sentia falta de reflexões sobre como superá-los.

A frustração levou-o a escrever um livro com "detalhes explícitos de como acontecem milagres". Na introdução, o autor promete "trazer esperança em um tempo de sombras avassaladoras".

As proposições soam um pouco ingênuas, principalmente quando o próprio Tepperman professa no primeiro parágrafo que "os líderes certos" são os principais motores das conquistas narradas.

O subtítulo do livro, "How nations survive and thrive in a world in decline" (como nações sobrevivem e prosperam em um mundo em declínio) torna quase inevitável a contraposição com "Why Nations Fail" (por que nações fracassam), do economista Daron Acemoglu (MIT) e do cientista político James A. Robinson (Universidade de Chicago).

Os professores discorrem sobre como instituições políticas e econômicas são cruciais nas venturas (quando inclusivas) ou desventuras (se extrativas) dos Estados.

Já o jornalista, ao concentrar em indivíduos a responsabilidade pelos resultados, mata no nascedouro sua ambição de transmitir lições replicáveis em outras condições, na vida pública, privada ou corporativa.

Não admira, portanto, que suas conclusões cheguem pouco além de "seja pragmático" e "aproveite as crises para fazer reformas ousadas".

The Fix: How Nations Survive and Thrive in a World in Decline
QUANTO: R$ 87,76 (livro digital; 320 págs.)
AUTOR: Jonathan Tepperman
EDITORA: Deckle Edge, 2016
AVALIAÇÃO: Regular


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