Folha de S. Paulo


China atinge meta de crescimento, mas vive ameaça de Trump

A economia da China evitou uma aterrissagem forçada em 2016 graças a robustos estímulos monetários e fiscais, mas as autoridades econômicas do país agora se preparam para ventos contrários, dada a possibilidade de uma guerra comercial com os EUA, depois da posse de Donald Trump.

O PIB (Produto Interno Bruto) chinês, o segundo maior do mundo em termos nominais, mas já o maior em termos de paridade de poder aquisitivo, cresceu 6,7% no ano passado, ante 6,9% em 2015. No quarto trimestre, a expansão foi de 6,8% em relação ao mesmo período de 2015.

Foi o mais baixo crescimento anual desde 1990, mas cumpriu com folga a meta governamental de um crescimento de entre 6,5% e 7%. O desempenho no quarto trimestre superou a expectativa média dos economistas consultados em uma pesquisa da Reuters, que previam crescimento anualizado de 6,7%.

Em discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos, o líder chinês, Xi Jinping, defendeu o livre comércio e a globalização, oferecendo um contraste implícito com as posições de Trump. Os economistas afirmam que uma guerra comercial poderia ter pesado custo para a China.

"Acredito que, ao assumir, Trump considerará a situação da perspectiva de que os dois lados se beneficiam e expandirá a cooperação mantida há tanto tempo entre os dois países", disse Ning Jizhe, diretor do Serviço Nacional de Estatísticas da China.

Zhu Haibin, economista-chefe do JPMorgan de Hong Kong para o mercado chinês, apontou que as exportações brutas representam mais de 25% do PIB chinês e que as indústrias exportadoras, que empregam mão de obra em escala maciça, respondem por parcela desproporcional do emprego no país. Isso significa que grande número de trabalhadores poderiam ser afetados caso as exportações venham a cair subitamente.

"A China é um país muito orientado à exportação. Muita gente trabalha nessas áreas. Se as exportações aos Estados Unidos caírem 10%, muitos trabalhadores serão afetados", disse Zhu.

Embora o emprego possa sofrer no caso de uma guerra comercial, o impacto sobre o PIB seria menos severo, dizem os economistas. Com a queda das importações, em companhia das exportações, as exportações líquidas —a variável que afeta diretamente o PIB— seriam pouco afetadas.

Além de uma guerra comercial, a principal ameaça à economia chinesa seria a dependência continuada quanto a investimentos alimentados por dívidas, para impulsionar o crescimento, dizem os economistas. Exportações mais baixas poderiam forçar as autoridades a confiar ainda mais pesadamente nesse modelo a fim de defender a meta de crescimento do país.
Em um sinal da maneira pela qual os propulsores tradicionais do crescimento chinês estão claudicando, o investimento em ativos fixos —que inclui gastos em novas fábricas, novas moradias e infraestrutura— cresceu 8,1%, seu ritmo mais lento desde 1999. A indústria causou o maior arrasto, porque os proprietários de fábricas do setor privado optaram por moderar sua expansão, diante da demanda fraca e da capacidade produtiva excessiva.

Mas a habitação foi um ponto positivo. As vendas de imóveis cresceram 22,5%, em termos de área construída, o ritmo mais rápido em sete anos, e os preços dispararam nas grandes cidades, gerando alertas quanto a uma possível bolha. Os analistas antecipam que o mercado da habitação tenha se desacelerado em 2016, diante das medidas do governo para reduzir a alta no preço dos imóveis, uma causa de ira popular.

Em maio, um artigo de opinião muito comentado publicado pelo "Diário do Povo", o jornal oficial do Partido Comunista, de autoria de "uma pessoa em posição de autoridade" -supostamente um assessor sênior do presidente Xi-, advertiu que a economia continuava a depender perigosamente de investimentos bancados por dívidas. Os analistas imaginaram, no momento da publicação, que o artigo estava sinalizando uma mudança de política econômica, mas o crescimento forte do crédito foi mantido pela maior parte do ano.

"O crescimento excessivo da base monetária em 2016 criou problemas de bolha. No futuro, será necessário reduzir mais o endividamento. Não há como afrouxar ainda mais a política monetária", disse Zhang Yiping, economista da China Merchants Securities, em Pequim.

Enquanto isso, o progresso foi lento quanto a reformas politicamente difíceis tais como o fechamento das companhias "zumbis" ineficientes e a reforma dos direitos de propriedade de terra na área rural.

O Partido Comunista realizará uma reunião no final de 2017 para escolher seus principais líderes para os próximos cinco anos e por isso os economistas antecipam mais um ano de pouco avanço. Pouca gente acredita que Xi venha a tolerar a desaceleração no crescimento que resultaria de medidas agressivas de reforma, em curto prazo, já que o momento é de busca da força política necessária a colocar seus aliados em postos importantes.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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