Folha de S. Paulo


Fones de ouvidos viram símbolo de status e podem custar até US$ 3.000

Você as vê a cada quarteirão: pessoas que levam adiante as suas rotinas ouvindo trilhas sonoras personalizadas, com o mundo exterior lhes servindo apenas de cenário.

Fones de ouvido agora são uma ferramenta de moda. Símbolos de status. Objetos de fetiche comparáveis a relógios de luxo e Nikes de edição limitada.

William Crosson, 28, que trabalha com recrutamento de executivos e é DJ nas horas vagas, usa fones de ouvido V-Moda Crossfade Wireless, um equipamento de US$ 270 (R$ 864) com cara de acessório que um hooligan cibernético usaria em uma discoteca de Berlim.

Alexander Gilkes, que faz parte da lista de homens mais bem vestidos da revista "Vanity Fair" e fundou o site de leilões Paddle8, usa fones de ouvido da Master & Dynamic que custam US$ 400 (R$ 1.280).

Martin Gaynor, 27, que trabalha como desenvolvedor freelancer de aplicativos para o Departamento de Parques e Recreação da prefeitura de Nova York, usa fones de ouvido Symphonized 2, fones grandes, revestidos de madeira, que ele comprou na Amazon por US$ 53 (R$ 169).

"O look da madeira, orgânico, parecia complementar bem o look clássico mas discreto que adoto no dia a dia", ele disse. "É uma boa combinação".

E Beyoncé, um termômetro da cultura dos Estados Unidos, não deve ser esquecida: no seu vídeo "Lemonade", lançado em 2016, ela canta "Sandcastles", uma balada sobre uma mulher descartada, usando fones Pryma de US$ 550 (R$ 1.760).

As vendas mundiais de fones de ouvido chegaram a um pico de US$ 8,4 bilhões em 2013, e dois anos mais tarde o montante havia subido a US$ 11,2 bilhões, de acordo com o grupo de pesquisa Futuresource Consulting. A empresa prevê que as vendas devam subir em mais US$ 2 bilhões até 2018, o que significa que ainda não chegamos ao pico do mercado de fones de ouvido.

A combinação entre o iPhone e tantas variedades diferentes de fone de ouvido (para uso dentro da orelha, sobre a orelha, em forma de orelha, e assim por diante) dá aos moradores urbanos a capacidade de evitar quase por completo uma experiência que no passado talvez fosse o principal motivo de viver em meio à multidão - ou seja, interagir com os outros.

Em uma esfera pública cada vez mais conflituosa, os fones de ouvido oferecem certa medida de privacidade. As pessoas que mergulham em uma playlist do Spotify ou se deixam absorver por um podcast viciante ingressam em uma espécie de casulo quase impenetrável a turistas, pedintes e a benfeitores públicos equipados de pranchetas.

"Os fones de ouvido são a linha de frente na defesa social urbana", disse Julie Klausner, comediante, atriz e escritora. "Sou introvertida por natureza e sofro de ansiedade social. Meu pior pesadelo é me sentar ao lado de alguém que queira conversar no avião, ou encontrar alguém assim no elevador".

Mas Klausner sabe que se abre a experiências que de outro modo poderia perder, quando deixa os fones de ouvido em casa.

"Uma manhã qualquer, esqueci os fones de ouvido e estava na linha 2 do metrô a caminho da terapia, e derrubei água no meu assento", ela disse. "Uma mulher mais velha, sorridente, se aproximou para conversar. Se eu estivesse com o fone de ouvido, isso provavelmente não teria acontecido".

ISOLAMENTO ACÚSTICO

A experiência de ouvir uma trilha sonora pessoal com grande intensidade, em meio a um ambiente público, nada tem de novidade. Remonta aos adolescentes que ouviam bandas como os Shangri Las nos fones de ouvido de seus rádios de pilha, nos anos 50 e 60. E faz recordar a mania do Sony Walkman, nos anos 80.

Mas a mais recente onda de popularidade dos fones de ouvido pode ser uma expressão do desafeto de nossa era, e nasceu em um momento no qual pessoas que ostentam opiniões divergentes sobre questões políticas e culturais enfrentam dificuldade para abrir a boca sem causar briga.

Alguns dos fones de ouvido são cromados e acentuam os graves. Outros são dourados e acentuam os agudos. As empresas que os fabricam podem passar de obscuras a muito procuradas do dia para a noite.

Enorme crescimento vem acontecendo no segmento de fones de ouvido com preços de entre US$ 99 e US$ 500. Mas empresas como HiFiMan, Audeze e JH Audio criaram negócios substanciais vendendo fones de ouvido que podem custar até US$ 3.000 (R$ 9.600).

Jonno Rattman/The New York Times
-- PHOTO MOVED IN ADVANCE AND NOT FOR USE - ONLINE OR IN PRINT - BEFORE DEC. 11, 2016. -- Jason Small listens to music on his Beats headphones near Columbus Circle in Manhattan, Oct. 17, 2016. Headphones have given privacy-seeking city dwellers the ability to largely avoid an experience that was once arguably the whole point of living in the crowd â€
Nova-iorquino ouve fone da Beats, empresa comprada pela Apple

Alexander Wang e Proenza Schouler estão colaborando com marcas como a Beats e Master & Dynamic em edições limitadas. A Canali se aliou à Pryma. Lojas como a Barneys, Neiman Marcus, Colette e Opening Ceremony agora vendem fones de ouvido.

A demanda em alta não é a única coisa que alimenta o boom. Sites de crowdfunding ofereceram aos potenciais empreendedores novas rotas para obter capital, e os custos de fabricação caíram. A venda da Beats à Apple por US$ 3 bilhões, em 2014, também estimulou a chegada ao mercado de uma nova leva de empreendedores esperançosos, no segmento de fones de ouvido.

Steve Guttenberg, colaborador do site de resenha de produtos eletrônicos CNET e especialista em alta fidelidade, explica de que maneira o negócio mudou.

"Há 30 anos, quando alguém queria fabricar um fone de ouvido, ele provavelmente tentaria fabricá-lo aqui nos Estados Unidos, ou poderia preparar um projeto detalhado, tomar um avião e visitar fabricantes na China, perguntando se eles eram capazes de executar o que estava no desenho", disse Guttenberg.

"Agora, esses dois primeiros passos foram eliminados. O requisito, se é que a palavra se justifica, é que a pessoa que comanda o projeto saiba que som deve ter o fone de ouvido, que aparência ele deve ter, que sensação deve causar ao ser usado, e assim possa dizer aos fabricantes que continuem lhe enviando amostras até que ela saiba que acertou", afirma.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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