Folha de S. Paulo


Gigantes da tecnologia nos EUA avançam sobre a área de conteúdo

Drew Angerer/AFP
Jeff Bezos (Amazon), Larry Page (Alphabet), Sheryl Sandberg (Facebook), Mike Pence e Donald Trump

Na reta final da campanha presidencial americana, no fim de outubro, em discurso no Estado da Pensilvânia, o então candidato Donald Trump disparou.

"Como exemplo da estrutura de poder que estou combatendo, a AT&T está comprando a Time Warner e, portanto, a CNN. Um negócio que não aprovaremos em meu governo, porque é muita concentração de poder nas mãos de poucos."

Acrescentou críticas à compra da NBCUniversal pela Comcast e do "Washington Post" por Jeff Bezos, da Amazon. "Acordos assim destroem a democracia", afirmou.

Eram críticas indiretas à cobertura que CNN, NBC e "Washington Post" faziam de sua campanha, mas a ameaça de vetar o negócio de US$ 84 bilhões fechado naquele mesmo dia pela gigante de telefonia AT&T tocou o alarme em muitas empresas.

Encerrada a eleição, no dizer do "Wall Street Journal", o caso passou a ser visto como "um teste de qual será o tratamento a ser dado às empresas na nova Washington".

Trump não demorou para enviar sinais de mudança de opinião. Tuitou, por exemplo, que em seu governo "os EUA vão reduzir substancialmente impostos e regulamentações sobre as empresas".

Mais importante, escolheu para sua equipe de transição consultores antitruste marcadamente favoráveis à desregulamentação, que, segundo o "Financial Times", já se encontraram com os executivos da AT&T -e os acalmaram.

No dia 12, uma nota para clientes assinada por William Power, analista do banco de investimentos Baird, encerrou o "teste" e fez as ações da AT&T subirem na Bolsa de Nova York.

Ele citou ações paralelas que favoreceriam a tele, como a esperada rejeição, pelo governo Trump, da neutralidade de rede (princípio pelo qual todos os dados devem ter tratamento isonômico na web).

MAIS DO QUE TRUMP

E não foram só Trump e sua equipe que sinalizaram positivamente para a AT&T. Em audiência no Senado americano, o presidente da empresa, Randall Stephenson, ouviu questionamentos, mas também elogios ao negócio.

O republicano Charles Grassley falou que "gigantes de tecnologia como Facebook, Google, Amazon e Netflix" mudaram o consumo de conteúdo e avisou: "Queremos assegurar que a concorrência prospere nesse mercado".

O investidor em TV e cinema Mark Cuban, chamado para a audiência, acrescentou: "Precisamos de mais empresas capazes de concorrer com Apple, Google, Microsoft e Amazon. Separadas, é impossível para AT&T e Time Warner competir com elas".

Um dos objetivos do negócio, segundo o presidente da AT&T, é formar um concorrente de peso para Netflix e Amazon Prime Video, reunindo produções de HBO e Warner, subsidiárias da Time Warner.
'barões ladrões'

Enquanto empresários celebram uma nova era de desregulamentação, analistas de mídia como Ken Doctor, do Nieman Lab, dizem que a concentração já começou e ameaça recriar os "barões ladrões" de um século atrás -a expressão descreve os magnatas americanos que enriqueceram por meios ilegais ou inescrupulosos.

"Quem fala pelos cidadãos e consumidores neste momento de ganho privado superando interesse público?", pergunta ele, lembrando que a Verizon, que com a AT&T tem 67,5% da telefonia celular nos EUA, comprou Yahoo!, AOL e "Huffington Post".

Na mesma direção, o analista Rich Greenfield, do banco de investimento BTIG, considera que a compra da NBC pela Comcast não fez muito pelo consumidor e que o negócio da AT&T não trará, por exemplo, redução de preço.

Para Doctor, "o poder dos canos subjugou os produtores de conteúdo". Canos, em referência aos distribuidores de conteúdo, é também a expressão usada por Marcelo Coutinho, da Fundação Getulio Vargas, mas ele vê um movimento natural de mercado.

"Com a redução dos custos de produção de conteúdo [devido à internet], ocorreu uma explosão na sua oferta, ao mesmo tempo em que os distribuidores passaram a usar seu acesso fácil ao capital para se apoderar da relação com os consumidores", descreve.

Daí as aquisições, agora. Coutinho acrescenta, porém, que "com grande poder vêm grandes responsabilidades" e canos como Facebook ou AT&T estão perto perto de admitir que não são apenas tecnologia, mas mídia, com responsabilidade jornalística.

Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, chegou perto de fazê-lo publicamente, ao tratar na quinta (15) das medidas para combater notícias falsas na plataforma.

"Penso no Facebook como uma empresa de tecnologia, mas reconheço que temos uma responsabilidade maior do que apenas construir tecnologia através da qual a informação flui. Embora não escrevamos as notícias que você lê e compartilha, também reconhecemos que somos mais do que apenas um distribuidor de notícias."


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