Folha de S. Paulo


China repensa combate à pirataria para evitar 'indústria' de processos

Gilles Sabrié/The New York Times
Mr. Ji dropping off clothes to be tested at a product quality inspection center in Jinan. Last year, China’s courts handled about 120,000 intellectual property cases, up 9 percent from 2014, according to official media.
Ji Wanchang , que ganha dinheiro reclamando de produtos, deixa roupas em centro de inspeção chinês

Ji Wanchang estava caminhando por um shopping de luxo em Pequim, recentemente, de olho em casacos de alto preço. Mas em uma das lojas, o vendedor lhe disse que um casaco Moncler com gola de pele, e outros modelos, eram "tamanho amostra" e não estavam à venda.

Um segundo vendedor, em cuja loja estava à venda um casaco Yves Salomon com colarinho em pele de lobo, disse que o produto estava reservado.

Ji suspirou. Nos dois casos, as peles não bateriam com o que seus rótulos informam, ele suspeitava –e os vendedores sabiam que vender um produto falsificado a Ji, cujo rosto é conhecido em muitas lojas chinesas, poderia significar sérios problemas.

"Madame, não quero complicar as coisas para a senhora", ele disse a uma vendedora, que anuiu e fez uma mesura. "Encontrei problemas nas roupas que a senhora vende; por favor, resolva-os".

Ji é um caçador profissional de falsificações, uma profissão reconhecida na China. Parte defensor dos consumidores, parte caçador de recompensas, ele vasculha lojas em busca de produtos falsificados ou de baixa qualidade.

Em seguida, usando as leis chinesas de proteção ao consumidores, recebe dezenas de milhares de dólares em indenização das empresas que os fabricam ou vendem. Essas leis são parte do crescente esforço chinês para tirar de circulação as roupas, produtos eletrônicos, alimentos e móveis falsificados que ocupam boa parte de suas lojas e frustram tanto os fabricantes das versões oficiais quanto os consumidores.

Mas o ganha-pão de Ji está em risco. Alguns funcionários do governo dizem que Ji e número desconhecido de pessoas como ele abusam de uma lei cujo objetivo era simplesmente encorajar os consumidores a denunciar falsificações. Se um novo conjunto de regras proposto pelo governo for adotado, pessoas como Ji não poderão mais fazer o que fazem profissionalmente.

A China está crescendo e amadurecendo, e começa a agir para proteger marcas e ideias, mas ainda enfrenta dificuldades para se livrar dos produtos falsificados. Governos estrangeiros e empresas internacionais, e até mesmo os consumidores chineses cada vez mais exigentes, se queixam de que os produtos falsificados chineses prejudicam tanto as marcas quanto as pessoas comuns.

Os líderes chineses intensificaram os esforços para retirá-los do mercado, em parte para proteger empresas nacionais que começam a fabricar produtos inovadores que elas mesmas projetaram. No ano passado, os tribunais chineses registraram 120 mil processos quanto a propriedade intelectual, 9% a mais do que o total de 2014, de acordo com a mídia oficial do país.

Um desses esforços de combate a falsificações tinha por objetivo dar mais poder aos consumidores. Em 2009, o governo prometeu aos consumidores que, se eles encontrassem produtos que violassem as leis de segurança alimentar, receberiam indenização de até 10 vezes o valor do produto.

Em 2013, a China reforçou uma lei anterior de proteção ao consumidor elevando as indenizações a compradores de outros tipos de bens falsificados, enquanto uma decisão da corte suprema do país foi vista amplamente como um encorajamento aos caçadores de falsificações.

Ji e seus colegas de profissão usaram essas leis em seus benefício, adquirindo grandes quantidades de produtos falsificados –quanto maior o volume de produtos falsos entregues, maior o pagamento– e lotando seus estoques desse tipo de produto.

A organização de Ji, o Estúdio de Defesa de Direitos e Combate à Falsificação de Jinan, conta com uma rede de cerca de 20 informantes que reportam produtos possivelmente falsificados. O maior sucesso dele até o momento, diz Ji, foi uma indenização de US$ 178 mil paga por uma empresa que afirmava falsamente que seus cobertores eram feitos de pura caxemira.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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