Folha de S. Paulo


Ameaças de Trump podem afetar mais os EUA do que a China

Ainda não está claro se o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, vai cumprir sua ameaça de impor pesadas barreiras comerciais a Pequim, arrastando Washington a um confronto aberto com a segunda maior economia do planeta.

Mas parece certo que os Estados Unidos já perderam essa guerra, mesmo que ela ainda não tenha começado.

Ao travar guerra contra a globalização, os Estados Unidos estão dando argumentos à China. Esawar Prasada, que comandava a divisão chinesa do FMI, argumenta que, "no longo prazo, a China sairá vencedora não importa o que aconteça".

A economia da China certamente sofreria caso os Estados Unidos impusessem uma tarifa de importação de 45% sobre os US$ 500 bilhões em produtos chineses que importam a cada ano.

Mas a China talvez esteja mais preparada que os Estados Unidos para aguentar o tranco. E certamente tem capacidade de contra-atacar.

A China tem diversas maneiras de retaliar. Pode impedir que suas empresas estatais negociem com companhias americanas. Pode limitar o acesso a commodities essenciais, como fez em uma disputa pesqueira com o Japão, quando suspendeu a exportação das chamadas terras raras, minerais essenciais para a indústria eletrônica.

Algumas das mais bem-sucedidas empresas dos EUA enfrentariam percalços.

A vasta maioria dos iPhones da Apple, por exemplo, é montada na China. Mas o custo de montagem responde por menos de 4% do valor adicionado do aparelho.

Isso significa que a China poderia forçar uma parada na produção do iPhone com pouco custo para sua economia, enquanto a Apple enfrentaria um esforço profundamente dispendioso e desordenador para transferir a produção a outro lugar.

Por quanto tempo a determinação americana persistiria? Análise do Instituto Peterson de Economia Internacional conclui que uma guerra comercial aberta com China e México elevaria o desemprego nos EUA a quase 9% em 2020, ante 4,9% hoje.

E essa pode nem ser a pior parte. Fechar as fronteiras dos Estados Unidos beneficia diretamente a China de outras maneiras.

Washington faria o papel de vilão no confronto. Não importa que truques os chineses possam empregar contra os interesses dos Estados Unidos, continuariam a ser vítimas, aos olhos de muitas nações e defensores do regime de comércio internacional aberto baseado em regras mutuamente aceitas.

Mesmo que Trump esteja só blefando, como dizem muitos de seus aliados, a fim de ganhar vantagem em alguma negociação futura, boa parte do estrago já está feita. A retórica belicosa adotada pelo republicano mudou a percepção sobre o papel que os Estados Unidos desempenharão no planeta.


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