Folha de S. Paulo


Saída da recessão é difícil com 'gastos obesos', diz diretor do Banco Mundial

Silvia Costanti - 15.ago.2013/Valor/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 15-08-2013: O executivo Otaviano Canuto, vice-presidente de gestão econômica do Banco Mundial, posa durante o seminário
O economista Otaviano Canuto, diretor-executivo do Banco Mundial

O economista Otaviano Canuto, diretor-executivo do Banco Mundial, afirma que é difícil para o Brasil sair da recessão porque o país sofre de uma "anemia de produtividade" e de uma "obesidade de gastos".

Ele afirma que, se quiser voltar a crescer, o governo brasileiro terá de fazer as reformas que "vinha empurrando com a barriga enquanto a economia crescia".

Canuto acredita que o principal erro dos governos petistas foi tentar elevar os investimentos com intervenções na economia.

"Nada funcionou e só sobraram gastos descontrolados e preços represados."

O economista fez parte da primeira equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva como secretário de Relações Internacionais do Ministério da Fazenda.

Folha - O governo reduziu a previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2017 para apenas 1%. Por que é tão difícil para o Brasil sair da recessão?

Otaviano Canuto - A crise brasileira tem raízes mais profundas do que as políticas econômicas recentes.

O Brasil viveu um fantástico período de crescimento, principalmente porque a renda da base da pirâmide cresceu quase a taxas chinesas.

Mas a grande verdade é que, enquanto isso ocorria, as debilidades estruturais do país foram empurradas com a barriga, porque seus efeitos não apareciam.

Esse crescimento foi provocado pela incorporação das pessoas ao mercado de trabalho, que chegou a um limite quando o país se aproximou do pleno emprego.

A produtividade e os investimentos avançaram muito pouco desde a estabilização da economia pelo Plano Real. O Brasil sofre com uma anemia de produtividade.

O gasto público também é uma trava para o crescimento?

Havia uma demanda legítima no país por resgate de milhares de miseráveis, que aumenta o gasto com serviços governamentais.

O problema é que is- so ocorreu sem tocar em velhos privilégios –temos um dos sistemas previdenciários mais generosos do mundo– e sem alterar as relações através das quais parte do setor privado brasileiro "mamou" no Estado.

Tudo isso provocou um aumento fenomenal do gasto público. De 1992 a 2014, em média, o gastou público primário, já descontando a inflação, cresceu 6% ao ano.

Isso foi absorvido enquanto o país crescia, depois o problema apareceu. É a outra face da doença brasileira: a obesidade dos gastos.

Qual foi o principal erro das gestões petistas na condução da economia?

A gestão do PT começou bem com reformas microeconômicas, que permitiram aumentar o crédito de forma sustentável.

Depois desse início promissor, o governo Lula achou que podia curtir a festa e "bombou" a economia em 2010, apesar dos sinais de que o modelo de crescimento pelo consumo estava esgotado.

O Brasil já tinha problemas estruturais de baixa produtividade que estavam latentes, mas isso não isenta o governo –agora com Dilma– dos erros que cometeu.

Dilma tentou elevar os investimentos por meio de isenções tributárias, utilizando os bancos públicos para impulsionar o crédito e baixando os juros na marra.

Nada disso funcionou. Os investimentos não cresceram, e sobraram para o Brasil gastos públicos descontrolados e preços represados.

Por que não foi possível consertar o estrago no segundo governo Dilma, com a mudança na política econômica?

Muitos pensaram que a mera mudança de politica econômica seria suficiente para impulsionar o PIB. A situação fiscal continuou deteriorando e era impossível para Dilma resolver o problema sem reformas estruturais.

Joaquim Levy e Nelson Barbosa (ex-ministros da Fazenda no governo Dilma) cortaram tudo que puderam. Só que mais de três quartos do gasto público primário são intocáveis.

E esse gasto cresce ano após ano independentemente se o governo é do PT, do PSDB, do PMDB ou do PSOL. Levy até tentou aprovar algumas reformas, mas faltava legitimidade para Dilma. Ninguém acreditava mais nela.

A Operação Lava Jato melhorou ou piorou a percepção do Brasil no exterior?

A percepção internacional do Brasil melhorou, apesar dos impactos ruins de curto prazo provocados pela paralisia da economia.

A prevalência da lei pesa muito na decisão de investimentos dos investidores, porque reduz os custos dos negócios. Com a Lava Jato, a percepção de que a lei é para valer melhorou brutalmente no Brasil.

Outra vantagem é que estamos saindo de um cartel extremamente sofisticado nas concessões e compras públicas, para um ambiente em que a concorrência potencial será muito maior.

Hoje a equação entre benefícios e custos da corrupção, quando ponderada pelos riscos, deixou de ser favorável. Logo a relação entre gasto publico e resultado para a população vai melhorar, porque tem menos pedágio na economia.

O governo Temer privilegiou o ajuste fiscal e ainda não tomou medidas para acelerar os investimentos. Qual é a sua avaliação sobre a atual administração?

Este governo adotou a mesma receita que já tinha sido proposta por Nelson Barbosa: fortalecimento da responsabilidade fiscal a médio e longo prazo, com metas para a dívida pública, em troca de flexibilidade no curto prazo.

Esse "tradeoff" é muito importante para dar tempo de fazer as reformas estruturais. Ele tentou falar isso, mas a crise política já tinha engolido tudo, com o próprio governo e seu partido se opondo.

O novo governo agora tem uma base política favorável. A resposta é muito parecida. Estabelecer um teto de gastos é uma camisa de força para obrigar o país a rever seus gastos.

O senhor acha que faltam estímulos ao investimento e ao crescimento?

A crise fiscal é um problema agudo, enquanto os problemas estruturais que estão na origem de tudo são de natureza crônica.

O ajuste fiscal não resolve o problema, mas nos obriga a fazer as reformas estruturais que estamos empurrando com a barriga há muito tempo. E a reforma mais óbvia é a da Previdência.

Gastamos com Previdência como um país escandinavo, mas sua população idosa é proporcionalmente a metade. O Brasil não tem idade mínima para se aposentar, o que é uma aberração comparado com o resto do mundo.

Como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos pode afetar o Brasil? Vai tornar ainda mais difícil o país sair da recessão?

O principal mecanismo preocupante é a velocidade com a qual os juros vão subir nos Estados Unidos, o que pode reduzir a margem de manobra do governo brasileiro no curto prazo para estimular a economia.

Trump prometeu aumentar os investimentos, o que vai elevar os gastos e levar o Federal Reserve a subir os juros. Isso vai atrair capitais para os EUA e pode forçar os países emergentes a também subir os juros.

Se os Estados Unidos realmente ficarem mais protecionistas, China e México têm que se preocupar mais do que o Brasil. O efeito para a economia brasileira pode ser indireto em razão do que ocorrer na China.

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RAIO-X

Nascimento

5 de janeiro de 1956, em Aracaju (SE)

Formação

Doutor em economia pela Unicamp

Carreira

É diretor-executivo do banco Mundial; foi diretor-executivo do FMI, representante do Brasil e de outros dez países; foi vice-presidente do Banco Mundial e assessor para assuntos internacionais do Ministério da Fazenda


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