Folha de S. Paulo


Protecionismo no Brasil não é mais sustentável, diz especialista

A separação rígida entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações comerciais multilaterais é uma das barreiras ao avanço de acordos na área de comércio exterior.

A opinião é do economista Robert Lawrence, da Universidade Harvard. Ele ressalta que o recente avanço nas negociações de um acordo sobre mudanças climáticas só ocorreu depois que grandes nações emergentes "pararam de pleitear uma divisão significativa" entre os dois grupos.

"Todos assumiram o compromisso de fazer o máximo possível", afirma Lawrence.

Ele se diz preocupado com as perspectivas de progresso nas negociações comerciais por causa do ambiente político contrário à liberalização nos EUA e na Europa.

Lawrence também afirma que o Brasil "não pode se dar ao luxo" de não participar mais do comércio global, principalmente porque o país não conta mais com um mercado doméstico tão forte, e porque os preços das commodites que ele exporta caíram.

"O nível de proteção alto que é praticado no país não é mais sustentável, agora que outras fontes de crescimento desapareceram", diz ele.

Folha - O que podemos esperar do comércio global?

Robert Lawrence - O sentimento em relação à liberalização comercial está claramente ameaçado pelo que vemos agora nos Estados Unidos e pelo Brexit. No sistema multilateral, temos um impasse na Rodada Doha. Os chineses costumavam apenas montar os produtos, mas agora estão produzindo mais coisas lá. Então há menos comércio. O investimento em bens comercializáveis está desacelerando, e os mercados de commodities estão deprimidos. Portanto, temos perspectivas menores de novos acordos e alguns sinais de aumento do protecionismo.

Por que mudou o sentimento em relação ao comércio global?

Acho que o declínio do emprego na indústria em países avançados foi disfarçado por taxas de crescimento razoáveis por muitos anos. Inicialmente, estávamos muito orgulhosos de não termos reagido à crise financeira global como as pessoas reagiram à Grande Depressão dos anos 1930. Naquela época, houve aumento do protecionismo.

Na década de 1930, não houve cooperação global. Dessa vez, tivemos a formação do G20. Eles tiveram o fascismo e, inicialmente, parecia que agora não tínhamos essa tendência. Mas o interessante é que algumas dessas coisas estão emergindo. Acho que tivemos uma reação atrasada à crise financeira global.

Essa reação tardia pode ser explicada pela recuperação global lenta?

Exatamente. Embora tenhamos uma recuperação nos Estados Unidos com baixo desemprego, nossa taxa de crescimento é baixa. Portanto, melhoras no padrão de vida têm sido mínimas. Além disso, há aumento da desigualdade e falta de oportunidades na indústria.

O sr. ainda vê chances de que o TPP [acordo de livre comércio entre países banhados pelo oceano Pacífico] seja aprovado nos EUA?

Estou mais otimista. Via uma chance de 30%. Agora, acho que é de 50%. Mas o acordo precisará ser aprovado antes do fim do governo Obama. Se isso não ocorrer e Hillary Clinton for eleita, ela buscará renegociá-lo. Se Donald Trump for eleito, nos moveremos na direção exatamente contrária. Uma das coisas assustadoras é que, nos EUA, a Constituição dá aos presidentes o poder de tirar o país de qualquer acordo. Portanto, Trump como presidente pode causar muitos distúrbios no sistema comercial.

Como um país como o Brasil, com presença ainda pequena no comércio mundial, deveria agir no contexto atual?

Acho que não pode se dar ao luxo de não participar mais no comércio global. O Brasil se beneficiou em anos recentes por ter um mercado doméstico grande que crescia e demanda por suas exportações muito baseadas em commodities.

No contexto anterior, o fato de o Brasil não ser um grande exportador de manufaturados e não participar das cadeias globais de suprimentos não era tão nocivo. Mas o nível de proteção alto que é praticado no país não é mais sustentável, agora que as outras fontes de crescimento desapareceram.

Também acho que o Brasil tem uma orientação comercial muito global, mas faz poucos negócios com seus vizinhos regionais. Uma parte da América Latina, principalmente os países da Aliança Pacífica, está liberalizando. Mas o Mercosul tem decepcionado.

O sr. ainda vê um papel importante para o G20 [grupo que reúne países emergentes e desenvolvidos]?

Acho que precisamos cooperar globalmente. Então há um papel para esses grupos. Mas estou preocupado porque o que vejo, especialmente nos EUA, é uma relutância em liderar. A menos que vejamos os EUA, a China e outros países emergentes grandes cooperando, as perspectivas para o crescimento global se tornarão muito menores.

Mas não vejo pessimismo em relação à globalização na Ásia. Então acho que os países asiáticos continuarão aumentando sua integração. Embora possam achar que a globalização está morta, a região do Pacífico continuará dinâmica.

A globalização morreu de fato?

Não acho que tenha acabado. Eventualmente, as pressões tecnológicas vão continuar forçando uma maior integração. Mas o ambiente político, especialmente na Europa e nos EUA, não é bom.

Há alguma lição no avanço das negociações climáticas globais para as conversas no âmbito comercial?

Um problema estrutural na OMC é a divisão dos países em desenvolvidos e em desenvolvimento. Na área do clima, tivemos progresso quando os grandes países em desenvolvimento pararam de pleitear uma divisão significativa entre os dois grupos. Com isso, surgiram objetivos comuns, mas responsabilidades diferentes. Todos assumiram o compromisso de fazer o máximo possível.

No sistema comercial, acho que uma das razões pelas quais a Rodada Doha fracassou foi que as economias emergentes, como o Brasil, a China e a Índia, não estavam dispostas a fazer o suficiente. Então, se tornou impossível para os países desenvolvidos assinar o acordo.

Mas, na prática, as coisas já funcionam de uma forma diferente. A Índia, por exemplo, pode praticar uma tarifa média de 50% pelas regras da OMC. Mas está cobrando 12%. Ou seja, a Índia unilateralmente já pratica uma tarifa mais baixa na fronteira.

Então, basicamente, em vez de termos países desenvolvidos fazendo uma coisa e países em desenvolvimento outra, deveríamos ter todos os países fazendo suas melhores ofertas. E, a partir disso, negociaríamos para ver se poderíamos ir além. Foi isso que fizeram com o clima.

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RAIO -X

Robert Lawrence, 67

Nacionalidade
Sul-africano

Formação
Doutor em Economia na Universidade Yale (EUA)

Cargo
Professor de comércio e investimento em Harvard (EUA)

Carreira
Foi membro do Conselho de Assessores Econômicos do governo Bill Clinton (1999 a 2001)


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