Folha de S. Paulo


As pessoas esperam que as notícias venham até elas, diz editor do 'Washington Post'

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Martin Baron, direttore del Washington Post. (Francesca Leonardi) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Martin Baron, editor do Washington Post

O jornalista Martin Baron, 61, disse que colegas de profissão de sua idade ou em meio de carreira precisam "passar logo por um período de luto e olhar para a frente, porque o jornalismo que eles conheciam acabou, mas há vida adiante".

Para um público composto basicamente de jornalistas latino-americanos e dos EUA, Baron abriu, no final de setembro, o Festival Gabo 2016, promovido pela Fundación Nuevo Periodismo Ibero-Americano, em Medellín.

Em seu discurso, contou como o jornal que edita, o "Washington Post", vem se adaptando aos novos tempos –em que o setor da mídia impressa sofre com a queda da arrecadação publicitária, a competição com novos meios digitais e o impacto das redes sociais.

Baron ficou conhecido do grande público ao ter sua passagem pelo "Boston Globe" retratada no filme "Spotlight", quando sua equipe de repórteres especiais revelou um escândalo nacional que envolvia a Igreja Católica com pedofilia. O caso abalou as estruturas da instituição na época. Já o filme, em que Baron é encarnado pelo ator Liev Schreiber, ganhou o Oscar neste ano.

Trailer legendado do filme "Spotlight - Segredos Revelados" (Spotlight, EUA / 2016), dirigido por Tom McCarthy.

O "Washington Post" é uma das publicações mais bem-sucedidas no mundo, tendo passado, em 2015, o "New York Times" em visitantes únicos mensais nos EUA. Falando um bom e fluente espanhol, Baron explicou que hoje seu diário compete de igual para igual com o NYT, mas o foco é sair de Washington e das fronteiras dos EUA.

Após a conferência, Baron concedeu entrevista à Folha.

*

Folha - O sr. diz que os jornais devem ir aonde o leitor está e ouvir o que os leitores estão conversando. Ou seja, devem ir para as redes sociais. Mas este não é um ambiente hostil a um jornalismo que se pretenda imparcial? Como evitar a polarização desse meio?
Martin Baron - Esse é o grande desafio do jornalismo hoje. Muita gente se pergunta se a imprensa tradicional tem mesmo de desempenhar uma função num cenário polarizado como o das redes sociais. Principalmente a imprensa independente, justamente a que não está aliada nem com a esquerda, nem com a direita, nem com nenhum partido.

Mas eu acho que há um papel muito importante para nós dentro das redes sociais, porque a maioria das pessoas que está lá de fato está polarizada e buscando fontes informativas que confirmem ou estejam alinhadas ao que pensam. Porém, eu também acho que muita gente vai às redes porque quer saber a verdade e valoriza aqueles que lhe trazem a verdade, independente de quem seja o alvo da cobertura.

Mas o sr. não acha que a imparcialidade tem sido um valor em baixa para quem busca notícias nas redes sociais?

Em primeiro lugar, não sei se temos de buscar a imparcialidade primeiro. O prioritário é trazer a verdade e chegar a uma conclusão. Se trazemos algo novo e relevante, não importa se estamos castigando a esquerda ou a direita, estaremos cumprindo nosso papel.

Às vezes, a mídia dita plural se importa demais em contemplar os dois lados de uma história e eu creio que isso precisa continuar sendo feito. Mas, às vezes, isso chega a um ponto em que diminui o impacto da notícia.

Insisto, não estou dizendo que não há que ouvir os dois lados, obviamente que sim. Mas é essencial que, no final, tenhamos algo a dizer, temos de chegar a um ponto e indicá-lo de modo mais enfático do que fazíamos antes.

Temos de desenterrar e encontrar as evidências, sermos justos na apuração e fiéis à verdade que revelarmos. Mas, ao final, temos de chegar a uma conclusão, e essa conclusão, nesses tempos, parece-me que tem de ser apresentada de forma mais explícita. Os jornais precisam ter uma posição editorial mais clara com relação a cada cobertura que fazem.

E sobre as redes sociais, creio que não há que se ter ilusões. As pessoas nos dias de hoje já não irão buscar a notícia na página de um jornal, elas esperam que as notícias venham até elas, e preferencialmente por meio das redes sociais.

E em que estratégias editoriais e operacionais vocês vêm apostando?

Em várias frentes. Hoje temos gente de tecnologia trabalhando lado a lado com os jornalistas como algo regular. Temos mais blogs cobrindo áreas bastante especializadas, que vão de ciência e animais a como criar seus filhos e outros assuntos.

Também tornamos mais dinâmica nossa seção de opinião. Em muitos casos, os nossos colunistas já não estão mais presos a um dia fixo de publicação. Se algo ocorre em suas áreas, pedimos para que expressem seus pontos de vista imediatamente.

E mudamos horários na Redação. Temos muito mais gente trabalhando desde muito cedo, temos gente monitorando as redes todo o tempo, especialmente durante a madrugada, para detectar quais tópicos serão assunto no dia seguinte. E estamos estudando e aprendendo muito sobre como e quando postar uma história.

O sr. disse que o "Washington Post" está armando uma rede de freelancers, usando jornalistas que ficaram desempregados devido à crise no setor. Isso aponta para um futuro em que jornalistas atuarão como motoristas de Uber, fazendo trabalhos sob encomenda?

(Risos) É uma forma de ver a coisa, um pouco pessimista. É verdade que estamos fazendo isso, mas também estamos contratando de acordo com as nossas necessidades. Acho que o segredo para nós, empresas de comunicação, hoje é sermos mais ágeis nessas contratações fora da sede, principalmente se quisermos ser um jornal global, como o "Washington Post" quer.

Primeiro, a rede de freelancers está funcionando bem, os profissionais que oferecem bom conteúdo têm sido mais acionados e têm seu perfil valorizado no mercado, ainda que só atuem eventualmente.

Por outro lado, estamos sendo mais rápidos ao identificar onde precisamos contratar gente "full time" e onde podemos usar recursos locais. Por exemplo, recentemente, contratamos novos correspondentes na Europa e na Turquia, porque o noticiário lá tem exigido.

E há um terceiro recurso que estamos usando mais que é usar o trabalho de quem já mora nos lugares onde precisamos de uma cobertura.

Como funciona na América Latina?

É um caso claro. Temos um correspondente que vive em Cuba (Nick Miroff), mas também precisamos cobrir direito a Colômbia, o Brasil. Então contamos com uma rede de colaboradores que se reportam a esse correspondente, e ele viaja quando há algo importante. Agora, por exemplo (estávamos a dois dias do plebiscito pela paz), Miroff está na Colômbia.

Mas a substituição do olhar do correspondente pelo jornalista local não muda a essência do trabalho do correspondente, que é justamente o de ver o país em questão com o olhar estrangeiro?

Não vejo isso como um valor tão essencial. Geralmente, os jornalistas locais estão mais por dentro da situação de suas comunidades e têm mais capacidade de reagir de modo mais imediato a eventos noticiosos. Às vezes, a um local de difícil acesso, é mais fácil e seguro usar alguém que sabe e pode chegar lá mais rápido.

Portanto, é um modelo mais eficiente num quadro em que a rapidez passou a ser uma necessidade mais urgente para um jornal.

Mas repito, isso não quer dizer que não estejamos mais contratando ou que vamos enxugar nossa equipe no exterior. Creio que são dois modos de trabalhar a serem combinados, usando a equipe do "Washington Post" e essa rede de freelancers, que está sendo avaliada e recebendo cotações dos editores, além de receber visibilidade por seu trabalho.

O jornalismo dito tradicional demorou muito a reagir às mudanças da era digital?

Sem dúvida. Quando a internet chegou, nós a vimos só como uma nova maneira de distribuir nosso trabalho, mas não pensamos naquilo como algo que nos atingiria ou de que podíamos nos apropriar.

Agora, estamos diante de uma situação inevitável, vivemos numa sociedade que é digital e mobile, e precisamos acolher essa mudança com entusiasmo e esforço, por mais que sintamos saudades do antigo modo de trabalhar.

O sr. diz ter passado por um período de luto quando percebeu que os meios tradicionais de se fazer jornalismo tinham mudado. Como foi isso?

Eu fiquei muito triste, gostava do jeito de se fazer jornal antes. Mas, quando cheguei ao "Washington Post", em 2012, percebi que a direção e o ritmo da mudança eram inexoráveis. Vi que os jornalistas que estavam trabalhando mais com as plataformas digitais estavam tendo mais êxito em atrair os leitores do que os tradicionais. E passei a estudar o que faziam melhor. Sua narrativa era outra, seu modo de apresentar as histórias, seu estilo, seus títulos eram diferentes. Nesse momento, entendi que todos tínhamos que mudar, os da velha geração também.

E do que mais sente nostalgia do velho jornalismo?

(Risos) Ah, da segurança, de ter menos competidores, de ter mais tempo para trabalhar as histórias. Hoje eu trabalho o tempo todo, estou sempre ligado. Antes não, era uma época mais confortável em vários sentidos.

Do ponto de vista prático, como vocês estão mudando o modo de contar histórias?

Estamos buscando fazer com que os textos sejam mais acessíveis e abertos à interação. Há, ainda, uma tendência de o público querer ouvir mais a voz de quem escreve. Os leitores querem ter mais da personalidade de quem lhes transmite uma notícia, parece que sentem aí que o conteúdo é mais legítimo. Estamos tentando enfatizar mais isso também.

O sr. mencionou que o "Washington Post" vem tendo problemas com o candidato republicano.

Sim, sempre somos críticos com todos os candidatos, e a candidata democrata (Hillary Clinton) parece entender melhor o papel da imprensa.

Já Donald Trump tem dito que, se eleito, defenderá o endurecimento das leis de difamação, sugerindo multas, aumento de impostos e que nos submeterá a sanções. Contra nós, sua atitude beira a ameaça.

Trump acha que o proprietário do jornal, Jeff Bezos, encomendou uma cobertura negativa de sua campanha. Mas nada disso tem sentido, Bezos não influi em nossa cobertura. Estamos diante de um risco de que, se Trump for eleito, queira se vingar. Mas aí o enfrentaremos, e com jornalismo.

A jornalista viajou a Medellín a convite da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano


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