Folha de S. Paulo


Pequenas empresas do turismo veem oportunidades de crescer na crise

Reinaldo Canato/Folhapress
Silas Barbi (esq.) e Flávio Nodomi, sócios do Desviantes, com pranchas de passeio de stand-up paddle na represa Guarapiranga, em SP
Silas Barbi (esq.) e Flávio Nodomi, sócios do Desviantes, na represa Guarapiranga, em São Paulo

O turismo no Brasil vive há pelo menos dois anos uma situação que, à primeira vista, parece contraditória. Por um lado, o setor sofre com a crise econômica e vê agências fecharem. Por outro, a desvalorização do real impulsionou a procura por viagens nacionais, atraiu visitantes estrangeiros e diversificou as oportunidades para o pequeno e médio prestador de serviços.

Segundo a Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), o mercado assiste a uma proliferação de pequenas agências que apostam em segmentos de nicho, com viagens voltadas a públicos específicos, de turismo de aventura a roteiros gastronômicos ou tours para pessoas com deficiência, por exemplo.

"É como o médico: quando você está doente, procura um especialista, não o clínico geral. O mesmo está acontecendo com o turismo. O operador especializado oferece viagens e experiências que uma agência geral não consegue", diz Magda Nassar, presidente da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo).

Foi o que percebeu Silas Barbi, 27, um dos sócios do site Desviantes, que há um ano e meio vende passeios de turismo de aventura. "Tivemos dois empurrões: a crise, que deixou o mercado doméstico aquecido, e o crescimento acima da curva da procura por viagens de adrenalina", diz.

Com crescimento que chega a 20% ao mês e expectativa de bater a meta de R$ 300 mil de receita em 2016, a empresa oferece 400 passeios, de 60 fornecedores diferentes. Há oito meses, eles deixaram de promover apenas roteiros no interior de São Paulo (como rafting em Juquitiba e trajeto de quadriciclo em Atibaia) para investir também em pacotes nacionais.

"Os carros-chefe hoje são os roteiros no Jalapão, em Tocantins, e na chapada Diamantina, na Bahia", diz Barbi. O primeiro recebe em média oito reservas por mês e pode custar mais de R$ 2.600 por pessoa, para sete dias, sem passagens aéreas incluídas.

PROFISSIONALIZAÇÃO

Mas de nada adianta encontrar um nicho se a empresa não estiver preparada, alerta Lúcio Oliveira, fundador da consultoria Capacitar, que auxilia projetos de turismo.

"Existe demanda. A geração que tem até 30 anos está em busca de experiências, ou seja, de viajar. Mas vivemos um momento confuso, em que os canais de venda se multiplicaram e não estão mais na mão de duas ou três agências. É preciso se adaptar a esse novo cenário, apostar em gestão, planos de administração, governança corporativa, marketing. Muitas agências fecharam porque não se prepararam."

Hoje, 2.965 agências fazem parte da Abav nacional. Em 2012, eram cerca de 3.500. "Nem todas fecharam. Muitas se uniram por causa dos custos altos", diz Edmar Bull, presidente da associação.

Para melhor atender turistas estrangeiros, Ana Laura da Conceição, 45, começou a fazer aulas de inglês neste ano. Ela é proprietária do As Ribeirinhas, que oferece passeio de barco à foz do rio São Francisco, em Piaçabuçu (AL), fronteira de Alagoas e Sergipe.

"Aumentou a procura de turistas estrangeiros nos últimos anos. Tanto que fizemos uma parceria com uma empresa norte-americana que traz visitantes de lá", diz Conceição, que viu a demanda internacional e nacional crescer 30% em 2016.

Parte do sucesso se deve à novela "Velho Chico", da Globo, que se passa na região. "A morte do ator [Domingos Montagner, após gravação da novela] no rio não nos afetou, porque aconteceu a mais de 200 quilômetros de distância. Mas os turistas ficaram mais cuidadosos." Um passeio de quatro horas com direito a água e frutas no barco custa R$ 75 por pessoa.

Mas outra parte do sucesso está calcada na maior busca de brasileiros por destinos nacionais. Pesquisa do Ministério Turismo mostra que 78,9% desses turistas desejam passear pelo país nos próximos seis meses. Na rede social brasileira Dubbi, especializada em viagens, a procura por informações sobre locais no Brasil cresceu 43% neste ano.

Isso fez com que a empresa também decidisse entrar no mundo dos pacotes e passasse, desde o mês passado, a vender roteiros de um final de semana no interior de São Paulo. "Se antes a pessoa ia para o Nordeste, agora ela vai investir em um bate-volta", acredita Caio Martins, 25, um dos fundadores.

O serviço Dubbi Experience custa R$ 329 e pede para que o usuário preencha um formulário com seus gostos no site. Com as informações, a start-up escolhe o destino, que é surpresa –até a data da viagem, o cliente não sabe para onde vai.

"O turismo deve passar por uma mudança como a da fotografia, que foi do filme de papel para o celular. Mas ninguém deixou de tirar foto. Assim como não vai deixar de viajar. Mas é preciso se reinventar", afirma Nassar.

*

3 DICAS
para sobreviver no mercado de turismo

Busque um nicho

As maiores oportunidades de crescimento estão no serviço especializado: turismo gastronômico, esportivo, comunitário etc. O ideal é que o empresário faça parte desse nicho para poder compreendê-lo.

Personalize

Saiba quem é o seu cliente e não apenas sobre o roteiro oferecido. A exclusividade é a busca de todos os perfis de viajantes, e pacotes com personalizações permitem cobrança de um valor maior.

Profissionalize-se

Em um tempo de multiplicação da concorrência, é preciso que a empresa invista em gestão, governança corporativa, planos de administração, marketing e planejamento

Fonte: Lúcio Oliveira, da consultoria Capacitar

*

NÚMEROS
do setor de viagens no Brasil

78,9%

dos turistas brasileiros desejam viajar pelo país nos próximos 6 meses

R$ 6,4 bi

faturaram as operadoras com turismo doméstico em 2015, valor 6,4% maior que em 2014

67,52%

das viagens comercializadas no Brasil em 2015 foram para o Nordeste

Fontes: Ministério do Turismo e Braztoa


Endereço da página:

Links no texto: