Folha de S. Paulo


Crítica

Biografia examina trajetória de Roberto Civita e da editora Abril

Não há tradição no Brasil de literatura sobre a imprensa, assim como não há costume de cobertura sobre o setor, sendo esta Folha uma das exceções. Parece que se segue a regra número 1 do "Clube da Luta", do filme homônimo: você não fala sobre o Quarto Poder.

Assim, é mais que bem-vinda a biografia "Roberto Civita: O Dono da Banca - A Vida e as Ideias do Editor da Veja e da Abril", de Carlos Maranhão, pela Companhia das Letras, que chegou às livrarias na quinta-feira (22).

Menos pelo biografado, personagem certamente relevante no cenário jornalístico local, mas que perde em importância e pioneirismo para seu pai, Victor Civita (1907-1990), o fundador da Editora Abril e o homem que criou a cultura de revistas no Brasil.

Mais pelo trabalho de apuração de Maranhão, que parte da árvore –a vida de Roberto– para descrever a floresta –a história da editora e da família que a criou, suas revistas e o impacto que tiveram na sociedade em que foram lançadas.

Depois de um período de estudos e estágio nos EUA, Roberto ajudou a conceber, lançou e foi o editor de revistas como a extinta "Realidade", até hoje exemplo de histórias ousadas e criativas, "Veja", que continua sendo a maior e mais influente semanal de informações, "Exame", de negócios, e a franquia "Playboy", que teve sua importância em seu auge.

Quando morreu, em 2013, aos 76 anos, Roberto tinha comandado por mais de duas décadas a maior editora de revistas da América Latina, que chegou a 350 títulos não-simultâneos, com 54 Redações e 900 jornalistas.

Maranhão já tinha feito o mesmo em seu livro anterior, a biografia do escritor Marcos Rey, "Maldição e Glória". Com sua escrita fina e obsessão pelos detalhes relevantes, é um dos melhores praticantes do jornalismo literário brasileiro.

(Aviso: trabalhei na editora Abril no fim dos anos 80 e começo dos 90, sempre tendo Carlos Maranhão como editor. Há uma passagem no livro que me menciona e estou na lista dos agradecimentos.)

É tributária desse tipo de narrativa a cena que abre a segunda das quatro partes do livro (A Árvore Desfolhada 1 e 2, A Árvore Germinada e A Árvore Frutificada, sendo árvore o símbolo da Abril), dividido em 46 capítulos nomeados por datas mais o epílogo, em que vai até o século 19 para investigar as origens dos Civita na Itália.

O jornalista trabalhou por mais de quatro décadas na Editora Abril. Convidado a escrever a biografia pelo próprio Roberto, fez apenas 8 das 37 sessões de entrevistas previamente agendadas –ele morreria antes de terminá-las, vítima de um procedimento médico de rotina com desdobramento fatal.

Ouviu os três filhos do empresário antes de escrever o livro. Poderia ser uma biografia chapa-branca. Não é. Trata de temas espinhosos, como aspectos da vida pessoal e amorosa de Roberto ou o fato de seu pai ter, na Itália dos anos 20, desfilado nas ruas com os fascistas em apoio a Benito Mussolini.

Mostra acertos, muitos, como a decisão inicial de fazer valer na empresa a divisão Igreja-Estado, jargão para a independência e separação de interesses entre as áreas editorial e comercial. Mas também erros do executivo.

Um deles é a estratégia digital do Grupo Abril, ainda hoje atrasada muito pelo desinteresse que levava a um desconhecimento de Roberto sobre o assunto.

Tal desconhecimento, entre outros motivos, fez com que ele desfizesse a sociedade com o Grupo Folha no começo do UOL, que viria a se tornar o maior portal da América Latina. Em vez disso, Roberto priorizou a entrada da Abril na TV, que, depois de perder milhões de reais, daria em nada.

Roberto Civita: O Dono Da Banca
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A morte do biografado, que encerra o livro, deixa a editora na pior crise de sua história. Com dívida de centenas de milhões de reais, a empresa é vítima de três circunstâncias: a crise econômica brasileira, que a todos afeta, a crise do modelo de negócios da imprensa, que atinge as revistas mais fortemente, e o desinteresse dos três herdeiros diretos pelo negócio editorial.

Roberto Civita: O Dono da Banca
AUTOR Carlos Maranhão
EDITORA Companhia das Letras
Quanto R$ 69,90 (592 págs.)
Lançamento 5/10, às 18h30, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, em São Paulo (Av. Brigadeiro Faria Lima, 2232)


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